quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O preconceito não acabou

Olívia de Cássia – jornalista

Vi com muita preocupação a demonstração de intolerância e xenofobia de alguns médicos brasileiros e também nas redes sociais diante da chegada dos profissionais cubanos ao Brasil, para atuarem no Programa Mais Médicos do Governo Federal. O gesto dos nossos ‘pobres de espírito’ é o retrato de uma sociedade elitista, racista e intolerante, como se fossem meninos ranzinzas que alguém tivesse lhes tirado um brinquedo.

A imagem daquele médico negro cubano sendo vaiado me deu arrepios. Será que estamos vivendo um retrocesso social em que as pessoas estão se voltando para o próprio umbigo e não se importam com o semelhante? Que profissionais são esses que fazem um juramento no ato da formatura prometendo salvar vidas e o que a gente percebe é uma parte que pensa apenas em ganhar dinheiro?

Tenho muitos amigos de infância que são médicos e bons profissionais, dedicados, preocupados em exercer a profissão que abarcaram com ética e respeito ao próximo, mas esse tipo de gente que  vi na cena da chegada dos cubanos é digna de repúdio. Tenho escutado muitas reclamações de pacientes que vão a especialistas e esses nem sequer os olham nos olhos, muito menos os examinam.

Digo isso porque já aconteceu comigo e fiquei indignada diante de uma ginecologista que, numa primeira consulta, apenas escrevia no papel, de cabeça baixa e quando terminou de me questionar disse que eu voltasse quando os exames estivessem prontos: nunca mais eu voltei lá.

Os médicos que vieram de Cuba não vão tirar o bolo de ninguém: apenas vão atuar em um programa em locais onde nossos ilustres profissionais se negaram a ir, porque não eram cidades balneárias onde pudessem se divertir entre uma folga e outra.

Dizer que o Brasil é uma democracia racial é uma piada, apesar de nós sermos uma bela mistura de raças que vieram povoar o país. Que nossos ilustres relembrem o que estudaram na escola, nos primeiros anos, que somos descendentes de negros, índios e brancos. Uma mistura, um caldo de cultura.

O Governo Federal implantou o Mais Médicos como uma resposta ‘ao acordar das ruas’, para dar uma satisfação à onda de protestos que aconteceram no mês de junho, em várias partes do país. Há muitas críticas com relação aos programas sociais do governo, mas a gente tem que ser crítico consciente, vendo os erros e os acertos e observando onde se pode melhorar. Estamos aqui para isso e não para demonstrar incivilidade e barbarismo.

O Brasil foi o último a se ver livre da escravidão. Vivemos 400 anos sob um regime tirânico, numa sociedade escravocrata onde os negros eram vistos como burros de carga. “O preconceito e o racismo de alguns é porque ainda eles têm saudade da casa grande e da senzala”, disse o secretário de gestão estratégica e participativa do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro, à Folha de São Paulo e eu não tenho dúvidas.

E para quem já estava esquecido ou não sabe ainda, é bom lembrar: apesar das críticas, a decisão do Governo Federal de importar médicos estrangeiros, em especial de Cuba, não é nova e já foi usada no Brasil por gestores do PSDB. Em 1999, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era presidente da República, pelo menos quatro estados trouxeram cubanos para trabalhar em unidades de saúde. Não teve vaia e nem protesto naquela época: por que será?

O motivo alegado pelo então governo foi o mesmo da presidente Dilma Rousseff (PT), de que os locais não funcionavam por falta de profissionais. Agora, ilustres parlamentares de oposição ao governo do PT classificaram o programa ‘ Mais Médicos’ como irresponsável e eleitoreiro. E ainda rotularam a medida da presidente Dilma como “indigna, indecorosa e irresponsável”. Vá entender esse povo. Paz e bem nessa terra de Zumbi, Dandara e Abdias Nascimento e de tantos líderes negros que lutaram para nos ver livre de preconceito. Bom dia e fiquem com Deus.


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