domingo, 4 de agosto de 2013

Mortos são preparados de forma irregular em Alagoas

Sandro Lima-foto
Olívia de Cássia – Repórter

A reportagem da Tribuna Independente recebeu e foi apurar uma denúncia de que centrais de velórios e funerárias de Maceió estariam colocando formol e preparando indevidamente os corpos nos próprios locais onde estariam sendo velados, causando risco aos familiares.

 Segundo Ricardo da Silva (nome fictício), numa central de velórios de Maceió, a funerária teria preparado (formalizou) o corpo de um parente seu, que morreu de infecção generalizada, no próprio local onde o corpo estava sendo velado.

Indignado, ele contou à reportagem que o mesmo senhor que pegou no caixão e preparou o corpo, aplicou o formol, que para ele é uma situação anti-higiênica e constrangedora e esses casos deveriam ser fiscalizados.

 “Infelizmente, aconteceu de um parente meu falecer; fui ao velório com meus filhos em uma central dessas e constatei um absurdo: a funerária preparou o corpo do meu parente dentro do próprio local. Imagine um falecido como o meu parente, que tenha morrido de uma doença como meningite, transmitindo infecção, bactérias e todos os outros tipos de doenças contagiosas”, observa.

Ricardo disse que no caso do seu parente foi cobrado R$ 500 para a colocação do formol; a reportagem pesquisou em algumas empresas que prestam esse tipo de serviço e os preços variavam de R$ 200 a R$ 250. “Não há fiscalização nesses locais; eu entendo que essas empresas para funcionar precisam de um alvará e quem fornece é a Vigilância Sanitária. Por que não há fiscalização?”, indaga.

Segundo o professor e médico legista Gerson Odilon Pereira, integrante do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), a formolização deve ser feita em local apropriado e com acompanhamento de um médico, “mas muitas funerárias indevidamente fazem o procedimento”. 

Pela legislação, pessoas que falecem de doenças contagiosas como hepatite, tuberculose, meningite, entre outras, devem ser veladas em caixões lacrados, pois as bactérias são facilmente transmitidas pelo ar e não devem ser expostas para que pessoas da família, parentes ou amigos a toquem.

Segundo o médico, já existe regulamentação para esse procedimento: “Está no site do CRM. A colocação de formol pelo técnico deve ser com acompanhamento médico, por conta do perigo que traz de contaminação à população. Algumas funerárias, indevidamente, fazem isso: colocam um comprimido de formol na boca do falecido ou aplicam indevidamente o produto”, disse.

Ele observa que essa prática das funerárias geralmente é feita por algumas empresas longe do IML e das vistas dos profissionais da medicina. “A exigência é que o corpo seja enterrado em até 24 horas, se demorar mais, tem que tomar as providências” (como colocar maior quantidade de formol ou outro produto utilizado na medicina legal), destaca.

ILEGALIDADE

O médico avalia que colocar formol sem a presença de um profissional da medicina para acompanhar o procedimento é prática ilegal da profissão. “Está no Código Penal, se acontecer algum problema (contaminação), se não for o médico acompanhando, quem assume essa responsabilidade?”, indaga.

Gerson Odilon ensina que se a pessoa tiver morrido por causa de doença contagiosa, o médico também deve prescrever medicamento para os familiares e pessoas que estavam próximas dele no velório. Segundo o que diz a medicina legal, a colocação de formol nos corpos tem o objetivo de recuperar a cor natural e a aparência do cadáver; controle de odores e alongar o período de velório.

A técnica consiste em injetar uma mistura de formol e fenol no cadáver forçando o sangue a sair do sistema circulatório. O fenol possui a propriedade de matar todos os micro-organismos presentes enquanto o formol, por sua vez, é um fixador de células que impede a decomposição.

Gerson Odilon conta ainda que este processo químico proporciona um ambiente limpo, capaz de resistir a uma invasão microbiana. “Sendo assim, é possível uma conservação temporária do cadáver, mantendo a aparência da pessoa em vida e uma melhor despedida para os familiares”, diz. 

O legista ressalta ainda que muitas vezes acompanha algum caso de pessoas que precisam trasladar o corpo de algum parente para outro estado, porque nesse caso a legislação exige que seja feita uma ata de como foi feito todo o procedimento assinada pelo profissional médico para poder o corpo ser liberado para a viagem.

Desobediência ao Código Penal é crime

O promotor estadual da Saúde, Ubirajara Ramos, disse que a desobediência à lei é crime. “Está no artigo 268 do Código Penal, que dispõe sobre a infração de medida sanitária preventiva: infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, a pena é detenção, de um mês a um ano e multa”, observa.

Ramos destaca que o parágrafo único do Código Penal diz que a pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro e explica que a fiscalização nesses locais deve ser de competência da Vigilância Sanitária.

Ele também destaca que quando os pacientes morrem no Hospital de Doenças Tropicais (HDT),  que atende casos de doenças contagiosas e precisam de isolamento; saindo de lá já deve ser enterrado, sob pena de infração do Código Penal. “É crime contra a saúde pública”.

FUNERÁRIAS

Um funcionário de uma funerária do Tabuleiro, que pediu para não ser identificado, porque ‘ tem medo de ser linchado’, disse que é suspeito para falar sobre o assunto, mas observou que tem funerárias com capacitação para fazer esse tipo de procedimento, mas sem acompanhamento médico, e que têm ambiente apropriado para a colocação do formol, mas outras fazem de qualquer jeito.

Ele afirmou que muitos funcionários dessas empresas não têm o curso de Tanatopraxia (uma técnica que consiste no atraso da decomposição de um cadáver), mas têm a técnica e colocam o formol. “Mas existe, sim, funerária que faz de qualquer jeito, em qualquer lugar, são os ‘urubuzinhos mais usurentos’”, denuncia.

Na segunda funerária pesquisada pela reportagem, no Jacintinho, o proprietário informou os procedimentos e disse que quando uma pessoa falece, “dependendo da doença, tem uma quantidade específica de formol, verificação do peso; se for vítima de doença contagiosa é preciso sepultar imediatamente”, reforça.

SVO

A reportagem tentou todos os caminhos indicados para obter a informação. O Serviço de Verificação de Óbitos de Maceió, por meio de sua assessoria, informou que o processo de formolização é feito pelas funerárias mesmo. “No caso de um doente que tenha morrido de uma doença como a hepatite, o vírus fica circulando durante um mês, mas a doença só é transmitida se as pessoas tiverem contato com a secreção”, explica.

A assessoria também reforça que no caso de doença contagiosa, o morto tem que ser sepultado logo; mas há casos em que a família quer esperar um parente e que é preciso preparar o corpo. “A funerária faz o procedimento e o SVO não acompanha; quando precisa, faz a necropsia para determinar a causa mortis e entrega o corpo à família para tomar as medidas necessárias”, observa.

Vigilância Sanitária se omite de falar sobre a fiscalização

A reportagem da Tribuna Independente entrou em contato por telefone com o diretor da Vigilância Sanitária do Estado, o médico veterinário Paulo Bezerra, para saber dele de quem é a competência para fiscalizar a colocação de formol nos corpos, mas ele nos encaminhou para falar com a Vigilância Sanitária Municipal. 

Desde a quarta-feira tentamos o contato da VSM: no primeiro dia ligamos cerca de dez vezes e o telefone não atendeu. Na quinta-feira conseguimos falar com o coordenador municipal de Maceió da instituição, Geovane Pacífico, mas ele recomendou que nós falássemos com o técnico da equipe (Renê) que, segundo ele, teria todas as informações sobre o assunto.

Depois de muitas tentativas conseguimos localizar o técnico identificado apenas como Renê, mas ele nos informou que não é sua atribuição esse tipo de fiscalização: “Meu trabalho é com hospitais, clínicas e laboratórios, a senhora fale com o coordenador Geovane Paciífico”, disse ele.  

A promotora Micheline Tenório, responsável pela Defesa da Saúde, disse que o Ministério Público Estadual ainda não recebeu a denúncia, mas que se existe a prática, é crime. “Se outro colega está sabendo não sei informar”, destacou.

Segundo o portal da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Resolução RDC nº 147, de 4 de agosto de 2006 diz que é da competência da Vigilância Sanitária: “eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”, (Lei Orgânica da Saúde – Lei 8.080 de 19/09/1990, Art. 6º Inciso I).

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