Sandro Lima-foto
Olívia de Cássia – Repórter
A reportagem da Tribuna
Independente recebeu e foi apurar uma denúncia de que centrais de velórios
e funerárias de Maceió estariam colocando formol e preparando indevidamente os
corpos nos próprios locais onde estariam sendo velados, causando risco aos
familiares.
Segundo Ricardo da Silva (nome fictício), numa central de velórios
de Maceió, a funerária teria preparado (formalizou) o corpo de um parente seu,
que morreu de infecção generalizada, no próprio local onde o corpo estava sendo
velado.
Indignado, ele contou à reportagem que o mesmo senhor que
pegou no caixão e preparou o corpo, aplicou o formol, que para ele é uma
situação anti-higiênica e constrangedora e esses casos deveriam ser
fiscalizados.
“Infelizmente,
aconteceu de um parente meu falecer; fui ao velório com meus filhos em uma central
dessas e constatei um absurdo: a funerária preparou o corpo do meu parente
dentro do próprio local. Imagine um falecido como o meu parente, que tenha
morrido de uma doença como meningite, transmitindo infecção, bactérias e todos
os outros tipos de doenças contagiosas”, observa.
Ricardo disse que no caso do seu parente foi cobrado R$ 500
para a colocação do formol; a reportagem pesquisou em algumas empresas que
prestam esse tipo de serviço e os preços variavam de R$ 200 a R$ 250. “Não há
fiscalização nesses locais; eu entendo que essas empresas para funcionar
precisam de um alvará e quem fornece é a Vigilância Sanitária. Por que não há
fiscalização?”, indaga.
Segundo o professor e médico legista Gerson Odilon Pereira,
integrante do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), a formolização
deve ser feita em local apropriado e com acompanhamento de um médico, “mas
muitas funerárias indevidamente fazem o procedimento”.
Pela legislação, pessoas que falecem de doenças contagiosas
como hepatite, tuberculose, meningite, entre outras, devem ser veladas em
caixões lacrados, pois as bactérias são facilmente transmitidas pelo ar e não
devem ser expostas para que pessoas da família, parentes ou amigos a toquem.
Segundo o médico, já existe regulamentação para esse
procedimento: “Está no site do CRM. A colocação de formol pelo técnico deve ser
com acompanhamento médico, por conta do perigo que traz de contaminação à
população. Algumas funerárias, indevidamente, fazem isso: colocam um comprimido
de formol na boca do falecido ou aplicam indevidamente o produto”, disse.
Ele observa que essa prática das funerárias geralmente é
feita por algumas empresas longe do IML e das vistas dos profissionais da
medicina. “A exigência é que o corpo seja enterrado em até 24 horas, se demorar
mais, tem que tomar as providências” (como colocar maior quantidade de formol
ou outro produto utilizado na medicina legal), destaca.
ILEGALIDADE
O médico avalia que colocar formol sem a presença de um
profissional da medicina para acompanhar o procedimento é prática ilegal da
profissão. “Está no Código Penal, se acontecer algum problema (contaminação),
se não for o médico acompanhando, quem assume essa responsabilidade?”, indaga.
Gerson Odilon ensina que se a pessoa tiver morrido por causa
de doença contagiosa, o médico também deve prescrever medicamento para os
familiares e pessoas que estavam próximas dele no velório. Segundo o que diz a
medicina legal, a colocação de formol nos corpos tem o objetivo de recuperar a
cor natural e a aparência do cadáver; controle de odores e alongar o período de
velório.
A técnica consiste em injetar uma mistura de formol e fenol
no cadáver forçando o sangue a sair do sistema circulatório. O fenol possui a
propriedade de matar todos os micro-organismos presentes enquanto o formol, por
sua vez, é um fixador de células que impede a decomposição.
Gerson Odilon conta ainda que este processo químico proporciona
um ambiente limpo, capaz de resistir a uma invasão microbiana. “Sendo assim, é
possível uma conservação temporária do cadáver, mantendo a aparência da pessoa
em vida e uma melhor despedida para os familiares”, diz.
O legista ressalta ainda que muitas vezes acompanha algum
caso de pessoas que precisam trasladar o corpo de algum parente para outro
estado, porque nesse caso a legislação exige que seja feita uma ata de como foi
feito todo o procedimento assinada pelo profissional médico para poder o corpo
ser liberado para a viagem.
Desobediência ao
Código Penal é crime
O promotor estadual da Saúde, Ubirajara Ramos, disse que a
desobediência à lei é crime. “Está no artigo 268 do Código Penal, que dispõe
sobre a infração de medida sanitária preventiva: infringir determinação do
poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa, a pena é detenção, de um mês a um ano e multa”, observa.
Ramos destaca que o parágrafo único do Código Penal diz que
a pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou
exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro e explica
que a fiscalização nesses locais deve ser de competência da Vigilância
Sanitária.
Ele também destaca que quando os pacientes morrem no
Hospital de Doenças Tropicais (HDT), que
atende casos de doenças contagiosas e precisam de isolamento; saindo de lá já
deve ser enterrado, sob pena de infração do Código Penal. “É crime contra a
saúde pública”.
FUNERÁRIAS
Um funcionário de uma funerária do Tabuleiro, que pediu para
não ser identificado, porque ‘ tem medo de ser linchado’, disse que é suspeito
para falar sobre o assunto, mas observou que tem funerárias com capacitação
para fazer esse tipo de procedimento, mas sem acompanhamento médico, e que têm
ambiente apropriado para a colocação do formol, mas outras fazem de qualquer
jeito.
Ele afirmou que muitos funcionários dessas empresas não têm
o curso de Tanatopraxia (uma técnica que consiste no atraso da decomposição de
um cadáver), mas têm a técnica e colocam o formol. “Mas existe, sim, funerária
que faz de qualquer jeito, em qualquer lugar, são os ‘urubuzinhos mais
usurentos’”, denuncia.
Na segunda funerária pesquisada pela reportagem, no
Jacintinho, o proprietário informou os procedimentos e disse que quando uma
pessoa falece, “dependendo da doença, tem uma quantidade específica de formol,
verificação do peso; se for vítima de doença contagiosa é preciso sepultar
imediatamente”, reforça.
SVO
A reportagem tentou todos os caminhos indicados para obter a
informação. O Serviço de Verificação de Óbitos de Maceió, por meio de sua
assessoria, informou que o processo de formolização é feito pelas funerárias
mesmo. “No caso de um doente que tenha morrido de uma doença como a hepatite, o
vírus fica circulando durante um mês, mas a doença só é transmitida se as
pessoas tiverem contato com a secreção”, explica.
A assessoria também reforça que no caso de doença
contagiosa, o morto tem que ser sepultado logo; mas há casos em que a família
quer esperar um parente e que é preciso preparar o corpo. “A funerária faz o
procedimento e o SVO não acompanha; quando precisa, faz a necropsia para
determinar a causa mortis e entrega o
corpo à família para tomar as medidas necessárias”, observa.
Vigilância Sanitária
se omite de falar sobre a fiscalização
A reportagem da Tribuna Independente entrou em contato por
telefone com o diretor da Vigilância Sanitária do Estado, o médico veterinário
Paulo Bezerra, para saber dele de quem é a competência para fiscalizar a
colocação de formol nos corpos, mas ele nos encaminhou para falar com a
Vigilância Sanitária Municipal.
Desde a quarta-feira tentamos o contato da VSM: no primeiro
dia ligamos cerca de dez vezes e o telefone não atendeu. Na quinta-feira
conseguimos falar com o coordenador municipal de Maceió da instituição, Geovane
Pacífico, mas ele recomendou que nós falássemos com o técnico da equipe (Renê)
que, segundo ele, teria todas as informações sobre o assunto.
Depois de muitas tentativas conseguimos localizar o técnico
identificado apenas como Renê, mas ele nos informou que não é sua atribuição
esse tipo de fiscalização: “Meu trabalho é com hospitais, clínicas e
laboratórios, a senhora fale com o coordenador Geovane Paciífico”, disse ele.
A promotora Micheline Tenório, responsável pela Defesa da
Saúde, disse que o Ministério Público Estadual ainda não recebeu a denúncia,
mas que se existe a prática, é crime. “Se outro colega está sabendo não sei
informar”, destacou.
Segundo o portal da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária), a Resolução RDC nº 147, de 4 de agosto de 2006 diz que é da
competência da Vigilância Sanitária: “eliminar, diminuir ou prevenir riscos à
saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da
produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da
saúde”, (Lei Orgânica da Saúde – Lei 8.080 de 19/09/1990, Art. 6º Inciso I).
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