Meu avô paterno, Jonas Vieira de Siqueira, registrado como
Jonas Correia de Cerqueira, foi proprietário de terras no Sítio Cafuxi,
pertencente ao município de Murici, estrada que dá acesso a União dos Palmares
e Viçosa. Tanto os pais da minha mãe quanto os do meu pai foram proprietários
de terras entre Branquinha, Capela, Viçosa e União. Para ir morar na cidade,
meu pai vendeu as terras que foram de vovô Jonas, na Baixa Seca, a preço miúdo,
para tentar a vida em União dos Palmares depois de muita insistência de minha
mãe que dizia não querer terminar seus dias de vida no mato. Nessa época, meu
irmão Petrúcio já tinha nascido e estava com oito meses de idade.
A primeira filha de mamãe, quando veio ao mundo estava
morta, sentada e laçada, e já tinha passado da hora de nascer, numa época em
que os recursos médicos eram escassos na roça e as crianças vinham ao mundo por
meio de parteiras. Essa minha irmã se chamaria Rita de Cássia. Mamãe afirmava que quando ela e meu pai
chegaram à cidade de União dos Palmares, logo no início, foram morar em um
galpão-armazém, onde depois foi instalada a oficina mecânica de seu Abdon Cupertino,
na Rua da Ponte.
Meus pais montaram um pequeno hotel, que depois faliu, pois
o empreendimento não deu certo. Em seguida, papai comprou uma mercearia, de
onde tirou o sustento de toda a família. Meu pai foi um homem honesto e
batalhador. Criou-se na roça, não teve estudos, sofreu muito porque não tinha
pai, nem mãe, e todos os que o conheceram, ainda hoje engrandecem o seu
caráter; era um homem de fibra, trabalhador e religioso. São detalhes desse caráter de papai que me
dão orgulho de ter nascido sua filha. Para ele eu pude contar minhas tristezas,
muitas vezes, até quando já estava bem doente, acometido pela Ataxia
spinocerebellar (DMJ), que o definhou e levou à morte.
Minha mãe também teve uma infância muito difícil e apesar de
ter sido filha de senhor de engenho era obrigada por meu avô Manoel a trabalhar
na lida do campo, capinando mato, no plantio e na colheita. Segundo os relatos
que ela fazia para os filhos, meu avô Manoel Correia Paes teria sido muito
ríspido com as filhas e mamãe, para ter algum dinheiro ou alguma pequena regalia,
se é que tinha alguma, precisava limpar o mato e plantar feijão, mesmo que
estivesse doente.
Talvez tenha sido pela sua dura vida de menina que tenha
adquirido tanta resistência e se tornado tão cética com relação a sentimentos
como o amor. Vovô herdou os ranços e preconceitos dos senhores de engenho da
nossa família, que proibiam as filhas de estudar para não escreverem cartas
para os namorados, a exemplo do meu trisavô Silvestre Correia, pai das minhas
tias-avós: Santina, Paulina e Maria Francisca.
Papai era tão devoto que colocou na cabeça que tinha que ter
um filho padre. Com essa obstinação ele foi a Carpina e a Jaboatão dos
Guararapes, no interior de Pernambuco, e conseguiu internato para meu irmão
Petrúcio, que lá ficou por dois anos, primeiro em um depois em outra
instituição. Mas Petrúcio fugia da escola e não era fácil. Terminou sendo
expulso da ordem dos padres.
Quando meu irmão foi para Pernambuco eu senti muito a sua
falta, pois era muito apegada a ele; só fomos nos desentender na adolescência,
por conta dos meus namorados que ele não aceitava, pois eu só me envolvia com
rapazes que não eram do agrado dele e nem da minha mãe.
Nasci em União dos Palmares, Alagoas, aos 9 de janeiro de
1960, entre dez horas da manhã e o meio-dia, na saudosa Rua Demócrito Gracindo,
mais conhecida como Rua da Ponte, na casa que ficava vizinha ao antigo hotel de
seu José Otacílio (seu Zeca) e dona Lia, pais dos amigos de infância: Lucinha,
Inêz, Bida e Babiu, Zé e Mano.
Minha mãe contava que quando a parteira chegou para fazer o
parto eu já tinha nascido. A mulher cuidou apenas do corte do cordão umbilical
e da limpeza do bebê. Meu pai só veio saber do meu nascimento quase à tarde,
segundo me contou minha mãe. Meu primeiro nome foi uma homenagem à minha avó
materna. O segundo nome foi uma homenagem a minha irmã falecida, à santa e à
minha prima-madrinha Rita de Cássia Paes Peixoto Netto, que mora no Rio de
Janeiro.
Quando tia Osória (irmã mais nova de mamãe) ganhou a sexta
filha, também colocou o nome de Rita de Cássia, minha companheira de
brincadeiras e brigas da infância, e a irmã que eu não tive e que amo
muito. Segundo os comentários que minha
mãe fazia, para chegar ao meu nome ela conversou com algumas amigas e conhecidas.
Dona Gerusa da farmácia sugeriu para mamãe que eu me chamasse Paulina
(descobri, quando estava pesquisando a origem da família, que tive uma tia com
este nome), mas mamãe relutou e eu ganhei o nome da minha avó e da minha
madrinha, juntos.
Só pude entrar na escola regular aos sete anos de idade,
porque era uma regra da rede oficial de ensino no Estado, nos anos 60. O fato
me causou muita decepção e raiva da professora Maria Mariá Sarmento, que era
diretora de ensino em União. Eu achava
que tivesse sido má vontade de Mariá e acreditava que tivesse sido ela quem
impediu o meu acesso à escola. Mais tarde compreendi a questão, isso já moça
feita, como diziam no interior.
A professora Mariá era uma mulher inteligente e respeitada
na região, conhecida pela sua irreverência e bom humor. Foi a primeira mulher
na cidade a usar calças compridas. Sua história é muito interessante e seu
sobrinho Paulo de Castro Sarmento Filho trata de reavivar a memória dos
palmarinos mantendo o acervo da tia. A casa de Mariá estava em ruínas e foi
restaurada pela prefeitura em convênio com outras parcerias oficiais. Minha tia Osória era muito amiga de Mariá e
lhe tinha muito respeito.
Quando eu entrei na escola oficial, aos sete anos, já sabia
contar até dez, rabiscar meu nome completo e já conhecia as primeiras letras do
alfabeto. Aprendi com meu irmão
Petrúcio, em casa, e com a professora Josete Belém, na escolinha do Bangu, na
Rua da Ponte. Eu gostava muito de estudar, era esforçada, mas sentia
dificuldade no aprendizado. Nos meses em que fiquei doente, pedia para mamãe
colocar os livros na cabeceira da minha cama, ou no travesseiro e caía num
pranto desesperado, porque não podia ir à escola, nem enxergava direito.
Eu tinha muita ânsia de aprender, gostava dos meus colegas
da escola, tinha um afeto profundo pela professora, mas para ser aprovada no
exame do Admissão, que dava acesso ao antigo ginásio, uma espécie de vestibular
do ensino fundamental, precisou que mamãe me colocasse nas aulas de reforço da
professora Doralice, a Dora, filha de seu Pedro Fogueteiro, junto com meu irmão
Paulinho. Foi com Dora que aprendi a gostar de fazer Palavras Cruzadas. Eu me
sentia orgulhosa, quando ela me emprestava as suas revistas para que eu fizesse
Caça-palavras e as Diretas. Devo a ela, além das aulas que me deram acesso ao ginásio,
a facilidade do aprendizado que desenvolvi com as Cruzadas.
Depois de Dora e já no ginásio, quando fomos morar na Rua
Tavares Bastos, mamãe nos colocou para estudar particular com Aparecida Amaral,
também um doce de criatura. Mas a minha primeira professora, no Rocha
Cavalcante, foi Nina Rosa Sarmento, a quem chamávamos carinhosamente de mamãe
Nina Rosa. Eu e minhas amigas Rosemary Veras e Gracinha Melo, entre outras
colegas, íamos buscar Nina Rosa em casa, de tanto que gostávamos dela.
Desenvolvemos tanto afeto pela professora que quando nasceu o seu primeiro
filho nós costumávamos fazer-lhe breves visitas, na esperança de um afago, de
uma palavra de carinho. No fundo, acho que nós éramos muito carentes de afeto,
pelo menos eu o era.
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