Tempos que mudam
Olívia de Cássia Cerqueira - Jornalista
Aprendi muito cedo que em política tudo pode acontecer. Desde a época da infância, convivi em União dos Palmares com os pormenores da política interiorana. Naquela época existiam apenas duas opções: Arena e MDB. A Arena servia aos militares e seus seguidores e o MDB aglutinava políticos das mais diversas matizes ideológicas que se contrapunham ao regime.
No começo da década de 70, meu pai deixou de votar nos candidatos que até então votava, os da Arena, e aderiu às propostas dos candidatos do MDB. Começou a se inteirar mais da política e passou a acompanhar e votar no primo-político Afrânio Vergetti de Siqueira, que começava a dar os primeiros passos na política palmarina. Mas meu pai tinha receio de se expor até por que naquela época o regime militar era muito rígido e perseguidor.
Em União se formaram duas correntes: a dos partidários de Manoel Gomes de Barros (Mano), e a dos simpatizantes de Afrânio Vergeti de Siqueira, duas lideranças que se fortaleceram no município. Passei a acompanhar os comícios, influenciada pelo meu pai que não perdia um evento daqueles. Era um entusiamo para ele e para nós também, apesar dos anos de chumbo que o País vivia.
Nós íamos aos comícios na boleia e em cima dos caminhões, junto com o povão. Nos sítios e fazendas ficávamos em cima do palanque improvisado; na cidade participávamos segurando bandeiras e cartazes dos nossos candidatos.
Dessa época, eu já mocinha, lembro de um dos comícios mais lindos que participei, na Praça Antenor de Mendonça Uchôa, em União. Naquele tempo, José Costa, José Moura Rocha e Mendonça Neto empolgavam com seus discursos fortes e eloquentes. Era um exercício de oratória para eles.
Nesse comício do MDB, o pernambucano Marcos Freire estava presente. Era uma das maiores lideranças do País, na época. Irmão do senador Roberto Freire (hoje PPS e ex-PCB), Freire começou seu forte discurso com uma oratória irretocável. Foi interrompido pela banda de fanfarras do Mário Gomes, uma escola do município.
Quando a banda diminuiu o toque e nós pudemos ouvir o que Roberto Freire dizia, ele fez uma alusão à música de Chico Buarque que fazia sucesso à época e falou: "Antigamente o povo parava para ver e ouvir a banda passar, hoje a banda passa e o povo de União está aqui, para ver e ouvir os candidatos do MDB e suas propostas". Foi mais ou menos assim a argumentação de Marcos Freire, que foi muito aplaudido. Lamentavelmente, anos depois, morria em desastre misterioso de avião; até hoje não se soube a causa de fato de sua morte.
Mas continuei acompanhando comícios e participando com distribuição de santinhos e panfletos por muitas vezes em União, sendo que algumas vezes fui incompreendida pelos pais de algumas amigas que me olhavam desconfiados. De uma forma ou de outra eu estava sempre me envolvendo, apoiada pelo meu pai que ficava todo entusiasmado com aquele meu interesse em partiipar da sua festa favorita.
Anos depois fui compreendendo que o jogo da política é muito pesado e não tem mais aquela atitude ingênua do episódio da banda de fanfarras de União. No interior, o entendimento é diferente da capital. As pessoas não votam por propostas, em sua maioria votam pela amizade. Não alcançam e não avaliam o motivo de adversários ferrenhos do passado serem correligionários nos dias atuais. Ainda sonham com o romantismo de outrora, com a política dos anos 80, quando o povo foi às ruas do País pedir eleição direta para presidente da República.
O momento que estamos vivendo é outro bem diferente de antes, mas é preciso assimilar que a política é a arte de conchavos e acertos que vão de acordo com o interesse de cada um pretendente ao cargo ou de partidos que são filiados e quem não for muito forte para entender e absorver tanta mudança de postura é melhor ficar longe disso tudo.
(Esse texto foi publicado em blog anterior, no link http://oliviadecassiajornalista.zip.net/arch2009-05-01_2009-05-31.html dia 18 de maio de 2009 e publicado na Tribuna Independente)
sexta-feira, 19 de março de 2010
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2 comentários:
E hoje nem temos como saber o que fazer quando o assunto é politica, como saber quem realmente está pensando em beneficio de uma população.....
Olívia, obrigada pela matéria e pela tese, que ainda não tenho (rsrs). Eu não faço doutorado. Eu terminei o mestrado. A minha proposta é que é continuar a estudar o mito de zumbi em outra vertente...bjs.
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