quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sem explicação

Olívia de Cássia – jornalista

A gente já sabe o que vai ouvir do médico, tem a certeza e consciência do problema, mas quando escuta a informação, dá uma tristeza danada, pode acreditar, não é autopiedade, não. Fui atendida no começo da tarde por uma neurologista e ela, além de lembrar e destacar todos os inconvenientes da ataxia, me confirmou que ainda não tem remédio, depois de eu fazer um relato do que é conviver com o problema e dizer que tenho pesquisado sobre a doença.  

Em 2005 eu escrevi meu primeiro sobre a ataxia e o que é conviver com ela. O texto foi uma solicitação de Priscila Fonseca,  presidente da Associação Brasileira dos Portadores das Ataxias Hereditárias e Adquiridas, para fazer parte de um livro sobre os portadores do problema e seus familiares.  

Naquela época, meu problema ainda não tinha se agravado e os sintomas eram leves: foi logo após eu ter uma crise emocional, provocada pela minha separação, que me levou à depressão. Muita gente na minha idade, inclusive vários parentes meus, já não consegue se locomover sem a ajuda de um andador ou de uma cadeira de rodas, devido aos tombos e quedas que são frequentes.

Ultimamente já sinto os sintomas se agravarem, mas não faço mais disso um cavalo de batalha. Logo que me certifiquei ser portadora de DMJ (Doença de Machado Joseph) eu fiquei entristecida, embora já desconfiasse por ter acompanhado meu pai e meu irmão e muitos dos meus parentes.

Não sou hipócrita ao ponto de dizer que esse problema não me afeta, porque não estaria sendo verdadeira, pois as limitações que se apresentam em meu corpo já não me permitem alguns movimentos mais ousados. Mas hoje em dia encaro a vida de forma diferente e sigo aquela máxima de tentar aproveitar, na medida do possível, ainda, o que eu puder, pois não sei por quanto tempo ainda vou poder fazê-lo.

Se  esse momento fosse em outras épocas eu estaria agora em prantos, desdizendo do mundo e da minha sorte, mas tenho que agradecer a Deus por ainda poder caminhar, embora que de forma cambaleante e poder ver o sol. Tenho tido a sorte de também a minha fala ainda não ter sido comprometida; mas as quedas e os tombos aumentaram, assim como os engasgos e outros problemas.

Para muita gente, a ataxia (DMJ) é ainda um mistério. No nosso núcleo familiar todos só a conheciam como “a doença da família” ou  a “maldição da família Siqueira/Cerqueira\Correia” e há bem pouco tempo é que descobrimos o nome científico. É uma doença rara e segundo os cientistas teve início na Ilha dos Açores, em Portugal; na nossa família os casamentos consanguíneos se deram de forma desordenada e isso contribui com a descendência.  

Na internet é fácil a gente encontrar links e comunidades de piadas que foram criados por atáxicos com a finalidade de tornar o nosso dia-a-dia mais digerível, ameno e menos pesado e é isso que tenho tentado fazer.  A internet nos trouxe muitas facilidades porque podemos trocar informações com outros portadores da doença em comunidades como o Facebook, grupos como o Ataxia net no Yahoo e outros.

Quem convive diariamente com um portador de ataxia, no estágio mais avançado, sabe do que eu estou falando. Há muito preconceito ainda na sociedade para com as pessoas que têm esse problema, tanto que muita gente esconde a doença e diz que é apenas uma labirintite.

Não preciso de teste genético, molecular, para saber que eu fui uma ‘escolhida’. Convivi com meu pai, acompanhei tudo de perto e tenho consciência dos meus sintomas e limitações, mas não é nada fácil conviver com isso. 

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