domingo, 22 de junho de 2014

Artesãos do barro exportam cultura alagoana para o mundo

Seu Antônio e dona Irinéia,
 uma parceria que vem de longe (Foto: Olívia de Cássia)
Tradição está ameaçada, em União dos Palmares, caso não seja criado um incentivo para que haja continuação dessa arte 

Olívia de Cássia – Repórter

Uma arte que resiste às intempéries do tempo é exportada para o mundo pelas mãos de Dona  Irinéia Rosa Nunes da Silva, seu Antonio Nunes e dona Marinalva, artesãos do povoado quilombola do Muquém, em União dos Palmares. Eles sobrevivem da confecção de peças e indumentárias de barro que retratam o dia a dia da comunidade e sua religiosidade.

Dona Irinéia Nunes, aposentada,  67 anos,  é reconhecida em toda parte do País e foi reconhecida pelo Governo como patrimônio imaterial do Estado. Patrimônio Cultural Imaterial é uma concepção que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em homenagem à sua ancestralidade, para as gerações futuras.

Por ter recebido essa honraria, os artesãos do Muquém recebem uma bolsa-incentivo, mas atualmente o pagamento está em atraso de mais de três meses, segundo a reportagem apurou no dia da matéria.


A artesã de vida simples vive com a família, descentes dos quilombos, desde que nasceu e segue a tradição de seus avós, mas reclama que seus filhos e netos não querem dar continuidade à arte do barro e a tradição está ameaçada em União dos Palmares, caso não seja criado um incentivo para que haja continuação dessa arte. 

“Eles não querem aprender; só querem estudar e eu não posso pegar ninguém para fazer nada a pulso. Vou fazendo aos poucos mais meu velho e agora tenho uma cunhada trabalhando mais eu, porque eu sozinha não aguento trabalhar o dia todo, sentindo uma dor no osso dos quartos e quando eu passo muito tempo sentada me prejudica”, explica.

RECONSTRUÇÃO

Um hotel de São Paulo encomendou 300 unidades
das cabeças feitas pela artesã que veio do barro
(Foto: Olívia de Cássia)

Atualmente com problemas de audição,  Dona Irinéia Rosa Nunes da Silva destaca que vai receber um aparelho de audição, pois está com problema nos dois ouvidos. Ela ressalta que paga R$ 50 à sua cunhada para que ela ajude na parte mais rústica do trabalho, por conta das dificuldades físicas próprias da idade. 

“Pago a minha cunhada R$ 50, para ela fazer a conchinha  e o nariz e o restante eu faço e fico satisfeita, porque se não fosse ela, não sei como seria”, explica. O Muquém foi um dos locais atingidos pela enchente de 2010, que derrubou e danificou várias residências do local.

O Programa da Reconstrução do governo construiu no povoado 120 casas para pessoas da comunidade que ficaram desabrigadas, mas segundo informações, 27 casas foram invadidas por pessoas que não são desabrigados quilombolas da região. 

A artesã palmarina conta que tem recebido muitas encomendas de sua arte. As peças da têm preços módicos se comparado à importância da arte de dona Irinéia Nunes: “Tem peça que é vendida por R$ 20, tem outras de R$ 25. Tem um dois meses que aumentou a procura por cabeça (uma peça de barro exclusiva dela). Tenho uma encomenda de 300 cabeças para um rapaz de São Paulo, acho que é de um hotel. Tenho peças expostas em vários estados por aí”, conta.

Arte  mantém famílias e história da artesã do Muquém  virou livro

São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Maceió, são locais do País onde as peças de dona Irinéia Nunes estão expostas. “Até fora do Brasil já tem meu trabalho”, conta ela orgulhosa. Como lembrança da tragédia da enchente de 2010, ela mostra uma peça que representa a jaqueira que abrigou mais de 30 moradores que ficaram abrigados durante a enchente do Rio Mundaú. 

Dona Irinéia Nunes virou personagem do livro A menina de barro, que conta a história de uma família que morava às margens do rio Mundaú, no interior de Alagoas, e vivia a partir da criação de objetos feitos de barro colhido na beira do rio. Num dia chuvoso de inverno, as águas fizeram o rio transbordar, carregando o que havia pela frente.

O livro é da escritora Gianinna Bernardes, ilustração de Pablo Perez Sanches, foi impresso na Gráfica Graciliano Ramos, Imprensa Oficial do Estado e é comercializado a R$ 20, incluindo a internet. A artesã tem vários exemplares em casa, conta que é muito procurado e disse que no dia do lançamento foram várias pessoas para o evento.  “O prefeito chamou um monte de gente”, diz ela.

(Foto: Olívia de Cássia)
Dona Irinéia Nunes pontua que começou a fazer peças de barro há cera de 40 anos e destaca  que sua mãe confeccionava panelas; disse que depois de adulta começou a fazer peças de barro para pessoas que iam pagar promessas.

“As pessoas me procuravam para que eu fizesse imagens de partes do corpo para pagarem promessas: cabeças, mãos, braços, pernas, pé, coração; qualquer parte do corpo; aí comecei fazendo e graças a Deus, hoje meu trabalho é um sucesso”, explica.

A artesã disse que participou recentemente  do Casa Cor, em Maceió, importante evento de arquitetura que acontece nas principais cidades do país e da América Latina. Morando atualmente em uma casa doada pelo Programa da Reconstrução, dona Irinéia Nunes destaca que o artesanato de barro sustenta toda a família. Ela conta que só não está passando dificuldade por conta das encomendas que recebe, por meio do Sebrae\AL.

“Quando eles recebem botam um dinheirinho em minha conta. Recentemente recebi um prêmio de R$ 10 mil, foi dividido com outros artesãos daqui e fiz uma reforma na casa”, observa.

A PARCEIRA

Dona Irinéia Nunes ressalta ainda que também conta com a parceria de seu  esposo, seu Antônio Nunes, para fazer seu trabalho.  Ele começou fazendo os primeiros passos das peças e o acabamento ficava por conta dela.  “Hoje ele dá pisa em mim e me chama a atenção quando faço alguma coisa errada. Ele ajeita a peça quando eu erro alguma e eu ajeito as dele e assim nós vamos”, declara.

Seu Antônio Nunes, 74 anos, um senhor simples de riso fácil diz que a esposa foi sua professora. “Eu trabalhava com cana, parei, trabalhei com tijolo e telha e ela começou me ensinando; aprendi. Tiro o barro carrego, corto a  lenha e também faço as peças”, observa.

Seu Antônio Nunes reclama que não querem o nome dele nas peças: “O povo só quer as peças que têm o nome dela e eu fico lá em baixo e ela subindo”, diz o artesão sorrindo. Dona Irinéia e seu Antônio criaram juntos dez filhos. Três dela (que era separada) e sete dele, que era viúvo e diz que estão nessa união até o fim.

Comunidade sobrevive até hoje do artesanato do barro

Dona Marinalva diz que está doente
 e produz pouco agora (Foto: Olívia de Cássia)
Os moradores do povoado quilombola do Muquém, em sua maioria,  sobreviveram até agora confeccionando objetos de cerâmica, desde os antepassados. “Começou aqui é tudo desse trabalho: minha bisavó, minha mãe e eu”, conta dona  Marinalva Bezerra da Silva, de 75 anos.

A artesã confessa que está cansada, que já trabalhou demais e está com problemas de saúde: “Criei  irmãos, sobrinhos e netos, seis filhos e agora estou com uma irmã inválida”, destaca.  O trabalho de dona Marinalva Bezerra também é reconhecido internacionalmente e ela conta que já participou de diversas exposições.

As peças da artesã são utensílios domésticos: ela confecciona cuscuzeiras, chaleiras, panelas, potes, frigideiras e destaca que todos vendem bem. “O caco de torrar café, o pote, a cuscuzeira, qualquer um que fizer”, destaca.


Panelas e utensílios domésticos
que  dona Marinalva confecciona.
Foto: Olívia de Cássia)
As miniaturas ela diz que as pessoas compram ‘para enfeitar as casas’. Dona Marinalva Bezaerra, assim como dona Irinéia Nunes, afirma que os filhos e netos também não têm interesse em continuar a arte do barro porque, diferente dela que não teve estudos, “eles querem estudar”.

 “Eu me criei trabalhando no barro direto, ele dizem que suja muito a roupa; eu digo que tem água no rio para lavar, mas meu marido faz. Ele tira o barro, pisa, me ajuda a fazer as peças, faz as miniaturas. Eu fazia 60 panelas no dia, quando eu era nova. Agora se eu fizer dez já é muito”, conta.

A artesã confessa que seu trabalho é bastante reconhecido.” Já fui muito filmada e meu trabalho está espalhado por aí. De vez em quando alguém vem me dizer que me viu na internet”, ressalta.

De Capela, João das Alagoas e seus discípulos  produzem  arte que faz a diferença

De Capela, João das Alagoas mantém
um ateliê  na entrada da cidade

(Foto: Olívia de Cássia)
No município de Capela, a 57 minutos de Maceió, o artesão João Carlos da Silva - João das Alagoas,  mantém um ateliê  na entrada da cidade, onde, além de produzir sua arte (esculturas em cerâmica), repassa seus conhecimentos para familiares e a comunidade (os discípulos) como ele diz.

De família de artistas, seu João Carlos  disse que quando era jovem queria que o pai lhe ensinasse a ser alfaiate, mas começou com arte numa exposição em campinas em 1987; tela a óleo, peças de madeira;  presépios, mas hoje o barro levou a uma produção maior, pois o  trabalho é mais valorizado: as miniaturas são vendidas a R$ 200 e R$ 300 reais.

Ele explica que começou a desenhar; pintou algumas telas e foi sobrevivendo de arte, foi vendendo e hoje vive exclusivamente de arte. João das Alagoas observa que tem muitos discípulos que já saíram do ateliê, mas nunca esquecem o trabalho desenvolvido por lá.

Dono de uma técnica muito própria, João das Alagoas dá vida ao barro, tendo a imaginação como sua aliada. Mestre no modelar de lapinhas, na religiosidade de seu povo, nas brincadeiras infantis, tem sua marca registrada no "boi bumbá", representado em pequenas e grandes peças, com saias esculpidas em alto e baixo relevo.

PATRIMÔNIO VIVO

Hoje é reconhecido como um dos maiores escultores do país, tendo participado de exposições nacionais e internacionais.  Trabalhos do artista;  da sua cunhada;  do filho; do sobrinho e de outras pessoas da comunidade que têm interesse em aprender e difundir o trabalho pelo  Brasil afora, são  encontrados no  ateliê em Capela. 

Tradições preservada (Foto: Olívia de Cássia)
Esculturas como cavalos;  estátua de santos ; o  cinema; uma torre com brincadeiras de crianças e peças em miniaturas, entre outras. É uma diversidade. Seu João começou a sua arte na madeira, mas com o tempo foi se especializando com o barro. O trabalho dele é mais apurado, estudado e tem leitura.

As peças são conhecidas internacionalmente também e têm preços mais altos. Uma delas custa R$ 5 mil e vai variando de acordo com o tema e o trabalho. “Tem peças de R$ 2 mil, R$ 5 e vai variando conforme o tema e a procura”.

As miniaturas feitas por Cláudio, um dos discípulos de seu João das Alagoas,  foram inspiradas no trabalho do artesão Arlindo Monteiro, que expõe e comercializa seus trabalhos no Mercado de Artesanato de Maceió e já foi tema de abertura de novela de televisão.

Cada discípulo tem um tema de trabalho que desenvolve livremente no ateliê de Capela. Maria Neide, conhecida como Nena,  cunhada de seu João,  há dez anos faz peças como: torres, casamento, cinema, “tudo inspirado no cotidiano do município”.

Arte de João das Alagoas  (Foto: Olívia de Cássia)
 O filho do artista confecciona peças como o guerreiro, bois pequenos e outras peças. Seu João das Alagoas diz que, dependendo da peça, leva de oito a 24 horas para queimar no forno e que vem procurando uma maneira mais rápida para fazer o trabalho. “Quando começou demorava mais, já passamos até duas noites queimando”, conta.

Patrimônio vivo de Alagoas, o artista, conhecido internacionalmente, conta que começou o seu trabalho desde pequeno. Com seis a sete anos, inspirado nas coisas mais simples, como o vaqueiro no cavalo; o vaqueiro ordenhando a vaca; bois e cavalos pequenos.

Agora com 55 anos, a peça mais vendida hoje no ateliê, segundo ele, é o boi e o cavalo, o boi bumbá e o cavalo marinho do Nordeste. As peças maiores demoram até quatro meses para ficarem prontas, segundo conta.

Conhecido internacionalmente, seu João das Alagoas conta que dois franceses encomendaram peças grandes; um deles  veio fazer um trabalho na Barra de Santo Antonio e está entregando a peça esta semana.

O trabalho de seu João pode ser encontrado em galerias, em shoppings no Rio de Janeiro e São Paulo e em quase todas as capitais do Brasil. Ele conta que também tem exposições permanentes: em  feiras; em Belo Horizonte, em lojas pelo país a fora e em casas de amigos.

Quem quiser encomendar o trabalho do artista pode entrar em contato pelo celular 9986-8521, mas cada discípulo tem telefone.

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