Seu Antônio e dona Irinéia, uma parceria que vem de longe (Foto: Olívia de Cássia) |
Tradição está ameaçada, em União dos Palmares, caso não seja
criado um incentivo para que haja continuação dessa arte
Olívia de Cássia – Repórter
Uma arte que resiste às intempéries do tempo é exportada
para o mundo pelas mãos de Dona Irinéia
Rosa Nunes da Silva, seu Antonio Nunes e dona Marinalva, artesãos do povoado
quilombola do Muquém, em União dos Palmares. Eles sobrevivem da confecção de
peças e indumentárias de barro que retratam o dia a dia da comunidade e sua
religiosidade.
Dona Irinéia Nunes, aposentada, 67 anos,
é reconhecida em toda parte do País e foi reconhecida pelo Governo como
patrimônio imaterial do Estado. Patrimônio Cultural Imaterial é uma concepção
que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos
preserva em homenagem à sua ancestralidade, para as gerações futuras.
Por ter recebido essa honraria, os artesãos do Muquém
recebem uma bolsa-incentivo, mas atualmente o pagamento está em atraso de mais
de três meses, segundo a reportagem apurou no dia da matéria.
A artesã de vida simples vive com a família, descentes dos
quilombos, desde que nasceu e segue a tradição de seus avós, mas reclama que
seus filhos e netos não querem dar continuidade à arte do barro e a tradição
está ameaçada em União dos Palmares, caso não seja criado um incentivo para que
haja continuação dessa arte.
“Eles não querem aprender; só querem estudar e eu não posso
pegar ninguém para fazer nada a pulso. Vou fazendo aos poucos mais meu velho e
agora tenho uma cunhada trabalhando mais eu, porque eu sozinha não aguento
trabalhar o dia todo, sentindo uma dor no osso dos quartos e quando eu passo
muito tempo sentada me prejudica”, explica.
RECONSTRUÇÃO
Um hotel de São Paulo encomendou 300 unidades das cabeças feitas pela artesã que veio do barro (Foto: Olívia de Cássia) |
Atualmente com problemas de audição, Dona Irinéia Rosa Nunes da Silva destaca que
vai receber um aparelho de audição, pois está com problema nos dois ouvidos.
Ela ressalta que paga R$ 50 à sua cunhada para que ela ajude na parte mais
rústica do trabalho, por conta das dificuldades físicas próprias da idade.
“Pago a minha cunhada R$ 50, para ela fazer a conchinha e o nariz e o restante eu faço e fico
satisfeita, porque se não fosse ela, não sei como seria”, explica. O Muquém foi
um dos locais atingidos pela enchente de 2010, que derrubou e danificou várias
residências do local.
O Programa da Reconstrução do governo construiu no povoado 120
casas para pessoas da comunidade que ficaram desabrigadas, mas segundo
informações, 27 casas foram invadidas por pessoas que não são desabrigados quilombolas
da região.
A artesã palmarina conta que tem recebido muitas encomendas
de sua arte. As peças da têm preços módicos se comparado à importância da arte
de dona Irinéia Nunes: “Tem peça que é vendida por R$ 20, tem outras de R$ 25.
Tem um dois meses que aumentou a procura por cabeça (uma peça de barro
exclusiva dela). Tenho uma encomenda de 300 cabeças para um rapaz de São Paulo,
acho que é de um hotel. Tenho peças expostas em vários estados por aí”, conta.
Arte mantém famílias e história da artesã do
Muquém virou livro
São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Maceió, são locais do
País onde as peças de dona Irinéia Nunes estão expostas. “Até fora do Brasil já
tem meu trabalho”, conta ela orgulhosa. Como lembrança da tragédia da enchente
de 2010, ela mostra uma peça que representa a jaqueira que abrigou mais de 30
moradores que ficaram abrigados durante a enchente do Rio Mundaú.
Dona Irinéia Nunes virou personagem do livro A menina de
barro, que conta a história de uma família que morava às margens do rio Mundaú,
no interior de Alagoas, e vivia a partir da criação de objetos feitos de barro
colhido na beira do rio. Num dia chuvoso de inverno, as águas fizeram o rio
transbordar, carregando o que havia pela frente.
O livro é da escritora Gianinna Bernardes, ilustração de
Pablo Perez Sanches, foi impresso na Gráfica Graciliano Ramos, Imprensa Oficial
do Estado e é comercializado a R$ 20, incluindo a internet. A artesã tem vários
exemplares em casa, conta que é muito procurado e disse que no dia do lançamento
foram várias pessoas para o evento. “O
prefeito chamou um monte de gente”, diz ela.
(Foto: Olívia de Cássia) |
Dona Irinéia Nunes pontua que começou a fazer peças de barro
há cera de 40 anos e destaca que sua mãe
confeccionava panelas; disse que depois de adulta começou a fazer peças de
barro para pessoas que iam pagar promessas.
“As pessoas me procuravam para que eu fizesse imagens de
partes do corpo para pagarem promessas: cabeças, mãos, braços, pernas, pé,
coração; qualquer parte do corpo; aí comecei fazendo e graças a Deus, hoje meu
trabalho é um sucesso”, explica.
A artesã disse que participou recentemente do Casa Cor, em Maceió, importante evento de
arquitetura que acontece nas principais cidades do país e da América Latina. Morando
atualmente em uma casa doada pelo Programa da Reconstrução, dona Irinéia Nunes
destaca que o artesanato de barro sustenta toda a família. Ela conta que só não
está passando dificuldade por conta das encomendas que recebe, por meio do
Sebrae\AL.
“Quando eles recebem botam um dinheirinho em minha conta.
Recentemente recebi um prêmio de R$ 10 mil, foi dividido com outros artesãos
daqui e fiz uma reforma na casa”, observa.
A PARCEIRA
Dona Irinéia Nunes ressalta ainda que também conta com a
parceria de seu esposo, seu Antônio
Nunes, para fazer seu trabalho. Ele
começou fazendo os primeiros passos das peças e o acabamento ficava por conta
dela. “Hoje ele dá pisa em mim e me
chama a atenção quando faço alguma coisa errada. Ele ajeita a peça quando eu
erro alguma e eu ajeito as dele e assim nós vamos”, declara.
Seu Antônio Nunes, 74 anos, um senhor simples de riso fácil
diz que a esposa foi sua professora. “Eu trabalhava com cana, parei, trabalhei
com tijolo e telha e ela começou me ensinando; aprendi. Tiro o barro carrego,
corto a lenha e também faço as peças”,
observa.
Seu Antônio Nunes reclama que não querem o nome dele nas
peças: “O povo só quer as peças que têm o nome dela e eu fico lá em baixo e ela
subindo”, diz o artesão sorrindo. Dona Irinéia e seu Antônio criaram juntos dez
filhos. Três dela (que era separada) e sete dele, que era viúvo e diz que estão
nessa união até o fim.
Comunidade sobrevive
até hoje do artesanato do barro
Dona Marinalva diz que está doente e produz pouco agora (Foto: Olívia de Cássia) |
Os moradores do povoado quilombola do Muquém, em sua
maioria, sobreviveram até agora
confeccionando objetos de cerâmica, desde os antepassados. “Começou aqui é tudo
desse trabalho: minha bisavó, minha mãe e eu”, conta dona Marinalva Bezerra da Silva, de 75 anos.
A artesã confessa que está cansada, que já trabalhou demais
e está com problemas de saúde: “Criei
irmãos, sobrinhos e netos, seis filhos e agora estou com uma irmã
inválida”, destaca. O trabalho de dona
Marinalva Bezerra também é reconhecido internacionalmente e ela conta que já
participou de diversas exposições.
As peças da artesã são utensílios domésticos: ela
confecciona cuscuzeiras, chaleiras, panelas, potes, frigideiras e destaca que
todos vendem bem. “O caco de torrar café, o pote, a cuscuzeira, qualquer um que
fizer”, destaca.
Panelas e utensílios domésticos que dona Marinalva confecciona. Foto: Olívia de Cássia) |
“Eu me criei
trabalhando no barro direto, ele dizem que suja muito a roupa; eu digo que tem
água no rio para lavar, mas meu marido faz. Ele tira o barro, pisa, me ajuda a
fazer as peças, faz as miniaturas. Eu fazia 60 panelas no dia, quando eu era
nova. Agora se eu fizer dez já é muito”, conta.
A artesã confessa que seu trabalho é bastante reconhecido.”
Já fui muito filmada e meu trabalho está espalhado por aí. De vez em quando
alguém vem me dizer que me viu na internet”, ressalta.
De Capela, João das
Alagoas e seus discípulos produzem arte que faz a diferença
De Capela, João das Alagoas mantém um ateliê na entrada da cidade (Foto: Olívia de Cássia) |
No município de Capela, a 57 minutos de Maceió, o artesão
João Carlos da Silva - João das Alagoas,
mantém um ateliê na entrada da
cidade, onde, além de produzir sua arte (esculturas em cerâmica), repassa seus
conhecimentos para familiares e a comunidade (os discípulos) como ele diz.
De família de artistas, seu João Carlos disse que quando era jovem queria que o pai
lhe ensinasse a ser alfaiate, mas começou com arte numa exposição em campinas
em 1987; tela a óleo, peças de madeira;
presépios, mas hoje o barro levou a uma produção maior, pois o trabalho é mais valorizado: as miniaturas são
vendidas a R$ 200 e R$ 300 reais.
Ele explica que começou a desenhar; pintou algumas telas e
foi sobrevivendo de arte, foi vendendo e hoje vive exclusivamente de arte. João
das Alagoas observa que tem muitos discípulos que já saíram do ateliê, mas
nunca esquecem o trabalho desenvolvido por lá.
Dono de uma técnica muito própria, João das Alagoas dá vida
ao barro, tendo a imaginação como sua aliada. Mestre no modelar de lapinhas, na
religiosidade de seu povo, nas brincadeiras infantis, tem sua marca registrada
no "boi bumbá", representado em pequenas e grandes peças, com saias
esculpidas em alto e baixo relevo.
PATRIMÔNIO VIVO
Hoje é reconhecido como um dos maiores escultores do país,
tendo participado de exposições nacionais e internacionais. Trabalhos do artista; da sua cunhada; do filho; do sobrinho e de outras pessoas da
comunidade que têm interesse em aprender e difundir o trabalho pelo Brasil afora, são encontrados no ateliê em Capela.
Tradições preservada (Foto: Olívia de Cássia) |
Esculturas como cavalos;
estátua de santos ; o cinema; uma
torre com brincadeiras de crianças e peças em miniaturas, entre outras. É uma
diversidade. Seu João começou a sua arte na madeira, mas com o tempo foi se
especializando com o barro. O trabalho dele é mais apurado, estudado e tem
leitura.
As peças são conhecidas internacionalmente também e têm
preços mais altos. Uma delas custa R$ 5 mil e vai variando de acordo com o tema
e o trabalho. “Tem peças de R$ 2 mil, R$ 5 e vai variando conforme o tema e a
procura”.
As miniaturas feitas por Cláudio, um dos discípulos de seu
João das Alagoas, foram inspiradas no
trabalho do artesão Arlindo Monteiro, que expõe e comercializa seus trabalhos
no Mercado de Artesanato de Maceió e já foi tema de abertura de novela de
televisão.
Cada discípulo tem um tema de trabalho que desenvolve
livremente no ateliê de Capela. Maria Neide, conhecida como Nena, cunhada de seu João, há dez anos faz peças como: torres,
casamento, cinema, “tudo inspirado no cotidiano do município”.
Arte de João das Alagoas (Foto: Olívia de Cássia) |
O filho do artista
confecciona peças como o guerreiro, bois pequenos e outras peças. Seu João das
Alagoas diz que, dependendo da peça, leva de oito a 24 horas para queimar no
forno e que vem procurando uma maneira mais rápida para fazer o trabalho.
“Quando começou demorava mais, já passamos até duas noites queimando”, conta.
Patrimônio vivo de Alagoas, o artista, conhecido
internacionalmente, conta que começou o seu trabalho desde pequeno. Com seis a
sete anos, inspirado nas coisas mais simples, como o vaqueiro no cavalo; o
vaqueiro ordenhando a vaca; bois e cavalos pequenos.
Agora com 55 anos, a peça mais vendida hoje no ateliê,
segundo ele, é o boi e o cavalo, o boi bumbá e o cavalo marinho do Nordeste. As
peças maiores demoram até quatro meses para ficarem prontas, segundo conta.
Conhecido internacionalmente, seu João das Alagoas conta que
dois franceses encomendaram peças grandes; um deles veio fazer um trabalho na Barra de Santo
Antonio e está entregando a peça esta semana.
O trabalho de seu João pode ser encontrado em galerias, em
shoppings no Rio de Janeiro e São Paulo e em quase todas as capitais do Brasil.
Ele conta que também tem exposições permanentes: em feiras; em Belo Horizonte, em lojas pelo país
a fora e em casas de amigos.
Quem quiser encomendar o trabalho do artista pode entrar em
contato pelo celular 9986-8521, mas cada discípulo tem telefone.
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