Em época de festa
na casa de seu Zé Laurindo (conhecido como festeiro lá na roça) íamos todos
nós. À noite, saíamos em fila indiana pelas estradas da capoeira. Meus primos
maiores iam à frente da turma entremeando com os mais novos, e os outros atrás,
para nossa segurança. O que nos iluminava eram candeeiros acesos, movidos a
querosene, que levávamos na cabeça. A estrada era só mato e poeira.
Mas o que dava medo era quando meus primos começavam a contar
histórias de fantasmas e “malassombros” pelo caminho. Na estrada tinha uma
cancela e eles contavam que ali tinha morrido um homem esfaqueado que à noite
aparecia para quem passasse no local. Afirmavam também que o tal fantasma
assustava os cavalos. Eu me arrepiava toda e só sossegava quando chegávamos ao
sítio de seu Zé Laurindo ou de volta à casa do meu tio Antônio Paes.
O local da festa
era muito rústico: uma casinha coberta de palha, feita de taipa e barro
vermelho, com piso batido, também de barro. Nas paredes e em alguns locais da
casa ficavam expostas várias imagens de santos, inclusive a homenageada, que se
não me engano e não me falha a memória era Santa Luzia, a protetora dos olhos.
Os zabumbeiros não paravam de tocar forró e comia-se de tudo: carne assada,
arroz doce, mungunzá, quentão e outras iguarias próprias das festas da roça. A
bebida era quente, pois não tinha como refrigerar.
Os jovens e
adultos dançavam forró pé-de-serra até quase o amanhecer, ao ritmo da zabumba e
à luz do candeeiro até cansarem. Eu ficava sentada num banquinho, só
observando, achando tudo muito novo, diferente. As moças não podiam recusar uma
dança; tinham que dançar com os rapazes que as convidasse para dar “uma
voltinha”, mesmo que elas não simpatizassem muito com os cavalheiros, segundo
me contaram meus primos. Quando terminava a festa, vínhamos pelo mesmo caminho
escuro e eu me punha morrendo de medo dos mortos que nós poderíamos encontrar
pelo caminho.
Numa das nossas
idas ao engenho da Barriguda, eu e minha prima Rita ficamos acuadas pelo touro
Presidente, um lindo exemplar de cor bege. Esse touro deu uma carreira na minha
prima Rita, obrigando-a a se meter debaixo dos arames farpados, o que lhe
rendeu uma cicatriz em uma das mamas. Mas gostávamos dos desafios e continuamos
a ir ao engenho, passando no meio da boiada, para continuar tangendo os bois na
almanjarra.
A almanjarra era
composta por duas linhas de madeira comprida, com uma espécie de banquinho na
parte superior e outra tábua na parte inferior. Os bois nós “cutucávamos” com
uma vara que tinha um ferro em forma de triângulo na ponta. Com aquele
instrumento nas mãos eu e minha prima estimulávamos os dois bois dando pequenas
“espetadas”, no sentido de que se movessem e a cana fosse moída. E ali
ficávamos na companhia dos trabalhadores do engenho, até que a nossa tia nos
chamasse para comer, tomar banho, ou viesse ralhar conosco quando estávamos
brigando.
Além do açúcar
preto, o mascavo, o engenho produzia rapadura, mel, caldo de cana e as famosas
batidas, uma iguaria mais clara do que a rapadura, comprida e um pouco
retorcida, feito uma escultura, em que se acrescenta o cravo e a canela. Tanto
a batida quanto a rapadura ainda hoje são vendidas nas feiras do interior.
Tio Antônio
possuía um velho jipe Willys que transportava a família nos dias de feira para
União dos Palmares e para as viagens que precisava fazer. O jipe despertava o
interesse dos meus irmãos, quando começaram a aprender a dirigir e era a menina
dos olhos de todos. Queriam sempre dar uma voltinha no carro.
Na Barriguda não
havia muitas fruteiras, pois meu tio plantava cana e tinha muito gado, o que o
obrigava a cultivar bastante capim, para alimentar os animais. Mas a região era
cercada de matas, inclusive por trás da casa-sede e nos fundos da casa onde meu
primo José foi morar depois de casado. As matas eram os locais onde meu avô
Manoel Paes fazia muitas caçadas.
Depois que meu tio Antônio de Siqueira Paes parou com a
moenda no engenho, passou a fornecer cana para a Usina Laginha. Quando ele
casou novamente, continuamos a ir à Barriguda ainda por alguns anos. Mas à
medida que fomos crescendo, nossos passeios foram diminuindo e os encantos da
meninice começaram a se voltar para outras cenas, para outras atrações.
Deixamos de fazer aquela belíssima viagem da infância, que ainda me traz doces
recordações dos velhos e bons tempos da minha infância distante.
O engenho foi
destruído pela ação da chuva e do tempo e depois meu tio mandou derrubar o
resto da construção. A casa de farinha também ruiu. Eu lamentei muito
isso, pois ambos faziam parte da história de nossas vidas e podia servir de
visitação e atração turística para o local.
Meu tio Antônio Paes morreu no dia 5 de julho de 2002, às vésperas
de completar 90 anos, e as terras da Barriguda foram vendidas, depois de sua
morte, para José Simplício Filho, irmão da minha cunhada Catarina Medeiros,
filho do senhor José Simplício, conhecido em União dos Palmares como “Zé
Piloto” que era um comerciante de porte médio no município.
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