terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O pesadelo de Rosalba

Olívia de Cássia – jornalista

Aquele sonho pesado não era um sonho normal de quem adormeceu tranquila. Rosalba se sentia sufocada, fazia muito calor naquela noite. Não conseguia sair daquele lugar, tornara-se prisioneira daquela situação.

Aquele homem corpulento a possuiu várias vezes e tinha domínio sobre ela, sobre o seu corpo e a sua alma, mas ela tinha consciência de que precisava sair dali, pedir socorro: “- Alguém me ajude”, pensava ela, mas não havia uma viva alma que pudesse socorrê-la e dar fim à sua prisão.

Estava refém daquele homem que ameaçava matá-la se ela tentasse sair da casa. Começou então a tecer estratégias na sua mente para se desvencilhar daquilo tudo. Já não sabia se era realidade ou se estava vivendo um dramático pesadelo.

De repente lhe vieram imagens de pessoas da sua convivência, de amigos e familiares. Pensou na infância sofrida, na mãe que morreu tão prematuramente, deixando o pai, pobre homem, com uma prole de dez filhos para dar conta: cinco homens e cinco mulheres.

As meninas vieram primeiro, mas o Juvenal queria filhos homens e assim foi deixando que viessem ao mundo, não queria que Margarida fizesse nada para impedir o nascimento dos filhos.

Sabia que na roça algumas mulheres utilizavam de rezas, beberagens e outros expedientes para jogar fora os filhos, mas ele proibiu que Margarida o fizesse e assim os filhos vieram ao mundo, um a um.

Juvenal era um homem temente a Deus e ao Padre Cícero, tinha muita crença de que melhoraria de vida e que a lavoura ia ser boa naquele ano, quando o décimo filho nasceu.

Rosalba veio ao mundo primeiro e como mais velha foi encarregada de cuidar dos irmãos quando a mãe faleceu. Pela lei da roça naquele tempo, os irmãos mais velhos cuidam dos mais moços.

O tempo foi passando e Rosalba queria mais, era uma moça cheia de sonhos e fantasias, como todas da sua idade. Não se conformava com aquela vida sofrida do pai, lá no mato, para dar o sustento aos filhos.

Quando ela ia na feira livre, aos sábados, em União dos Palmares, ela admirava as moças da cidade e pensava que queria ser assim, da mesma forma que elas, cheias de vitalidade e que na avaliação dela eram meninas felizes.

Um dia Rosalba foi no armarinho do seu Bilu e ao passar na calçada da loja do seu Zé Piloto deu de cara com aquele homem bonito, morenão, alto, forte, um deus do ébano que ela logo se engraçou.

Josefino tratou logo de se enfronhar para Rosalba, feito um pavão, no jogo da conquista e inventou um nome falso, porque não gostava do seu de batismo. Disse para ela que se chamava Jimmy, como o seu ídolo da Jamaica. E cheio de charme e gírias que Rosalba não entendia foi conquistando aquela moça simples, roceira, sonhadora e com vontade de ser feliz.

Agora ela estava ali, prisioneira dele, sem poder sair daquela casa imunda para onde foi atraída por Josefino, ou Jimmy, como ele costumava ser chamado pelos amigos.

- Se você me denunciar eu te mato!”, ameaçava ele, envolvido que estava com várias irregularidades que Rosalba descobriu fazia pouco tempo. No começo ela procurava entender as atitudes do homem por quem se apaixonara, mas agora, diante de tanta coisa ruim que ele fazia, estava decidida a sair daquela situação.

Mas o que fazer quando isso acontece? O que ela queria, na verdade era se ver livre daquela prisão, conquistar sua liberdade. Tinha medo de Josefino, ele era perigoso, mas Rosalba tinha sonho maiores na vida e queria vive-los.

Voltou a pensar no pai e nos irmãos que ficaram na roça e de repente entendeu que a felicidade que ela queria não estava onde ela pensava que fosse encontrar, mas, sim, junto da familia, ao lado do Juvenal, ajudando-o na lida da roça e tocando as terras na lavoura e na plantação.

E de repente, uma onda de coragem invadiu o pensamento de Rosalba e começou a traçar estratégias para sair daquele lugar fedido e sem dignidade. Aproveitou uma hora em que Josefino não aguentou mais o vigília e dormiu,abriu a porta da casa rústica onde estava prisioneira e se escafedeu no mundo, em busca da liberdade desejada.

Quando Josefino percebeu a fuga da mulher que queria como propriedade e que mantinha como prisioneira, ficou com muito ódio e enfurecido, mas já era tarde. A polícia invadiu o local apontado por Rosalba e numa troca de tiros aquele homem foi alvejado com dez tiros, sendo um deles na cabeça.

Agoniada e com muita sede Rosalba acordou. Faltava-lhe o ar puro para respirar. O lençol estava cobrindo seu rosto. Felizmente tudo não passou de um sufocante pesadelo, o dia estava lindo lá fora, é verão no Brasil.

Nenhum comentário:

Aqui dentro tudo é igual

  Olívia de Cássia Cerqueira   Aqui dentro está tudo igual. Lá fora os bem-te-vis e outros pássaros que não sei identificar, fazem a fes...