terça-feira, 9 de novembro de 2010

Das histórias de Trancoso e outros causos


Olívia de Cássia – jornalista

Na infância, costumávamos ouvir muitas histórias que ficaram conhecidas como “Histórias de Trancoso”. Uma tradição oral que foi se reproduzindo ao longo dos séculos nos países afora. Um folclore da época que era muito apreciado pelas crianças e pela juventude que não tinham muita opção de lazer na União dos Palmares na década de 60. Essas histórias terminavam quase sempre com expressões do tipo: “Entrou por uma perna de pinto e saiu por uma perna de pato”, não dando certeza para os ouvintes se eram verdadeiras ou não.
Essa vertente de literatura começou com o escritor português de nome Gonçalo Fernandes Trancoso, após publicar o livro "Contos e Histórias de Exemplo", em Portugal no século XVI. Este livro foi editado pela primeira vez no ano de 1575 e passou a ser uma referência nos contos populares. A expressão "Histórias de Trancoso" é muito comum em Portugal e no Brasil, passando a denominar todo conjunto de histórias populares transmitidas oralmente.
Era muito comum nas cidades do interior e também na capital, naquela época, os adultos, principalmente as mulheres, contarem histórias longas para as crianças, que tinham sempre um final não muito proveitoso para quem fazia o mal e ao contrário para quem fazia o bem, semelhante aos contos de fadas.
Na Rua da Ponte, em União dos Palmares, Dona Odete Beserra, esposa do seu Joé Beserra, era especialista em contar esse tipo de história. Ela possuía um repertório inacabado, costumava reunir a criançada, fosse na calçada ou dentro de casa, para contar, quase que diariamente, essas histórias.
Outras mulheres lá no sítio do meu tio Antônio Paes ou da cidade mesmo também contavam esses causos trágicos ou engraçados. Meu avô Manoel Paes de Siqueira também era mestre para contar causos, além dos que a gente lia para ele nos livrinhos de literatura de cordel, que ele decorava e repassava para outras pessoas.
Sem grandes diversões ou atividades que ocupassem as nossas mentes, nós nos cercávamos dos mais velhos e ficávamos horas e horas ouvindo aqueles relatos fantasiosos que eu escutava atenta; às vezes terminava dormindo e sonhando com os personagens daqueles contos fantasiosos.
Uma dessas histórias era sobre a caveira falante, que respondia ao interlocutor quem a tinha matado e ela dizia que tinha sido a língua, porque costumava falar mal dos outros. Essa eu tinha medo porque era história de morte. A outra era a da Maria Barracão que eu gostava ou a do Compadre Ratinho. Na maioria das vezes eram contos que sempre traziam uma mensagem de que o crime, a mentira ou a maldade não compensam.
Meu irmão Petrúcio fazia umas interpretações teatralizadas de Zorro, com uma pano de guarda-chuva velho de meu pai, ou do padre Lara Lara para assustar a gente quando estávamos brincando em cima das camas; essas brincadeiras acabavam sempre em castigo mais pro lado dele, quando minha mãe via a bagunça que fazíamos em cima das camas, quando morávamos na casa da mercearia, em frente ao Posto do seu Nininho.
Já quando nos mudamos para a nossa casa vizinha ao armazém, Petrúcio também dava uma de cineasta. Pegava uma caixa de sapato, fazia uma pequena abertura, colocava uma lâmpada comum e películas dos binóculos (ou monóculos como a gente chamava), semelhantes a negativos de filmes e reproduzia aquela imagem na parede.
Ficávamos encantados com a inteligência dele em fazer aquilo. Se tivesse se aprofundado, hoje quem sabe não seria um cineasta o meu inteligente irmão? Todas essas vivências salutares fazem parte da nossa infância sadia e acredito que contribuíram para o nosso crescimento interior.

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