Olívia de Cássia - jornalista
Em um dia abafado e
calorento dá para se perceber que vai chover depois. Entro no carro para cumprir pauta especial e enquanto
nos dirigimos ao local da entrevista vou reparando na paisagem e colocando os
pensamentos em ordem.
Dia de pagamento não dá para se ter alegria, pois o dinheiro
entra e some logo e assim vai sendo constituída a nossa rotina. Penso que não
sou a única a viver nessa corda bamba, mas poderia ser muito pior e tenho mais é
que agradecer.
O trânsito vai fluindo e o motorista vai driblando como pode
o engarrafamento pequeno que se forma na Via Expressa. Adiante, vejo prédios, condomínios
de luxo, shopping, empresas, postos de gasolinas e escritórios: Maceió está
crescendo.
A pouco mais de um mês para as eleições deste ano, a
campanha para a presidência se acirra de um lado e de outro. Tomara que tudo
acabe bem: já falei nesse espaço que respeito a opinião de quem vota ao
contrário das minhas preferências eleitorais, mas da mesma forma exijo o mesmo
tratamento.
O que tenho visto nas redes sociais são ataques ao governo
dos oposicionistas, poucas propostas dos adversário da presidente Dilma e muita
mentira e desinformação sendo espalhada na rede.
Acabei de ler um texto muito bom no Portal Forum, de Jorge
Furtado, sobre as razões de ele votar na presidente Dilma e faço minhas as
palavras dele, transcrevendo o texto na íntegra, da forma como está posta no
blog: “Voto contra tudo isso que está aí”.
Cineasta explica os
motivos que o fizeram apoiar a reeleição de Dilma Rousseff
Por Jorge Furtado
Se alguém me dissesse,
em 2004 – quando o primeiro governo Lula sofria a oposição feroz de toda a
mídia brasileira e tinha pouco ou nada para mostrar de resultados – que em dez
anos o segundo turno da eleição presidencial seria disputado entre duas ex-ministras
do governo Lula, uma pelo Partido dos Trabalhadores e uma pelo Partido
Socialista Brasileiro, eu diria ao meu suposto interlocutor que a sua fé na
democracia era um comovente delírio. A provável ausência, pela primeira vez no
segundo turno das eleições presidenciais, de candidatos da direita autêntica,
do PSDB, do DEM e do PTB, é mais uma boa notícia que a democracia nos traz.
Imagina-se que, vença quem vença, muitos dos derrotados voltarão correndo para
os braços confortáveis do novo governo, esta é a má notícia.
Tenho familiares e
bons amigos que vão votar na Marina e também no Aécio. Eu vou votar na Dilma.
Acho que foi o Todorov quem disse (mais ou menos assim) que a democracia nos
reúne para que a gente resolva qual é a melhor maneira de nos separar. Não sou
nem nunca fui filiado a qualquer partido, já votei em vários, tenho amigos em
alguns. Neste que é o maior período democrático da nossa história (25 anos,
sete eleições consecutivas), o Brasil não parou de melhorar e não há nada que
indique que vá parar de melhorar agora.
Votei no Lula, desde
sempre até ajudar a elegê-lo em 2002, com o palpite de que um governo popular,
o primeiro em 502 anos, talvez pudesse enfrentar com mais vigor o grande
problema brasileiro: a desigualdade social. Achei que, talvez, substituindo a
ideia de que o bolo deve primeiro crescer para depois ser divido pela ideia de
incentivar o crescimento do país com melhor distribuição de farinha, ovos,
manteiga, fogões, casas com luz elétrica, empregos e vagas nas escolas e nas universidades,
finalmente poderíamos começar a nos livrar da nossa cruel e petrificada divisão
entre a casa grande e a senzala. Meu palpite estava certo. A desigualdade
brasileira continua grande e cruel mas está, finalmente, diminuindo.
Voto, ainda, primeiro
contra a desigualdade social, ainda o maior problema do país, um dos mais
injustos do planeta, em poucos lugares há uma diferença tão grande entre pobres
e ricos. A elite brasileira (sim, ela existe, esta aí), fundada e perpetuada no
escravismo, luta para manter seus privilégios a qualquer custo. Eles são donos
dos bancos, das grandes construtoras, fábricas e empresas, das tevês, rádios,
jornais e portais da internet e defendem ferozmente sua agradável posição. A
única maneira de enfrentar seu enorme poder é no voto.
Voto contra o poder
crescente do capital sobre as políticas públicas. Quem vive de rendas pensa
sempre mais no centro da meta da inflação e menos nos níveis de emprego, mais
na taxa dos juros e menos no poder aquisitivo dos salários. O poder do capital
especulativo, rentista, é gigante, mora na casa dos bilhões de dólares. Voto
contra, muito contra, a autonomia do Banco Central, que tira do governante,
eleito pelo nosso voto, o poder de guiar o desenvolvimento segundo critérios
sociais, protegendo o país do ataque de especuladores e garantindo renda e
empregos, e entrega este poder ao tal mercado, hereditário e eleito por si
mesmo, sempre predador e zeloso em garantir a sua parte antes de lamentar os
danos sociais causados por seus lucros. (Ver Espanha, Grécia, EUA, Finlândia,
etc.)
Voto contra submeter
os critérios de uso dos nossos recursos naturais não renováveis, como o
petróleo, ao interesse de grandes empresas estrangeiras. O petróleo brasileiro
e seu destino é o grande assunto não mencionado nas campanhas eleitorais. Os
ataques contra a Petrobras, que acontecem invariavelmente às vésperas de cada
eleição, atendem interesses das grandes empresas petroleiras, especialmente as
americanas, que querem a volta do velho e bom sistema de concessões na
exploração dos campos de petróleo, sistema que, na opinião delas, deveria ser
extensivo às reservas do pré-sal. Aqui o interesse chega na casa do trilhão.
Garantir que o uso da riqueza proveniente da exploração de nossos recursos
não-renováveis tenha critérios sociais, definidos por governantes eleitos, me
parece uma ideia excelente da qual o país não deveria abrir mão.
Voto contra o poder
crescente das religiões sobre a vida civil. Respeito inteiramente a fé e a
religião de cada um, gosto de muitos aspectos de várias religiões, sei do
importante trabalho social de várias igrejas, mas não aceito o uso de
argumentos ou critérios religiosos na administração pública. Mesmo para os que
professam alguma fé religiosa a divisão entre os poderes da terra e do céu
deveria ser clara. Diz a Bíblia, em Eclesiástico, XV, 14: “Deus criou o homem e
o entregou ao poder de sua própria decisão”. (Esta é a versão grega, a versão
latina fala em “de sua própria inclinação” ou “ao seu próprio juízo”.) Erasmo
faz uma boa síntese desta ideia: “Deus criou o livre-arbítrio”. Ele, se nos
criou a sua imagem e semelhança e criou também as árvores, haveria de imaginar
que, criadores como ele, criaríamos o serrote, e com ele cadeiras, mesas e
casas, e ainda, Deus queira!, a ciência que nos permita usar com sabedoria os
recursos naturais e viver bem, com saúde. O poder crescente das igrejas, com
suas tevês e bancadas no congresso, deve ser contido por um estado laico.
Voto contra o
preconceito contra os homossexuais. O estado não tem nada a ver com o desejo
dos indivíduos. Ninguém (seriamente) está falando que o sacramento religioso do
casamento, em qualquer igreja, deva ser definido por políticas públicas, mas os
direitos e deveres sociais devem ser iguais para todos, ponto. Os preconceituosos
e mistificadores, que vendem a cura gay ou bradam sua lucrativa intolerância
contra os homossexuais, devem ser combatidos sem vacilação ou mensagens dúbias.
Voto contra a
criminalização do aborto. A hipocrisia brasileira concede às filhas da elite o
direito ao aborto assistido por bons médicos, em boas condições de higiene, e
deixa para as filhas dos pobres os métodos cruéis e o risco de vida, milhares
de meninas pobres morrem de abortos clandestinos todos os anos. A mulher deve
ter direito ao seu corpo, independente de vontades do estado ou de dogmas
religiosos.
Voto contra o
obscurantismo que impede avanços científicos. Há quem se compadeça com os
embriões que serão jogados no lixo das clínicas de fertilização e ignore o
sofrimento de milhares de seres humanos, portadores de doenças graves como a
distrofia muscular, a diabetes, a esclerose, o infarto, o Alzheimer, o mal de
Parkinson e muitas outras, cuja esperança de cura ou melhor qualidade de vida
está na pesquisa com as células tronco.
Voto contra palavras
vazias. Nossa era da mídia transformou a oralidade num valor em si, esquecendo
que há canalhas articulados e bem falantes e pessoas de bem e muito competentes
que são de pouca conversa, ou até mesmo mudas. Tzvetan Todorov: “A democracia é
constantemente ameaçada pela demagogia, o bem-falante pode obter a convicção (e
o voto) da maioria, em detrimento de um conselheiro mais razoável, porém menos
eloquente”. (1) Há quem diga de tudo e também o seu oposto, dependendo do
público ouvinte a quem se pretende agradar, há quem decore frases feitas
repetíveis em qualquer ocasião, há quem não fale coisa com coisa. Prefiro
julgar os governantes e aspirantes a cargos públicos menos por suas palavras e
mais por seus atos, seus compromissos e sua capacidade de trabalho em equipe,
ninguém governa sozinho.
Voto contra os
salvadores da pátria. Pelo menos em duas ocasiões o Brasil apostou em
candidatos de si mesmos, filiados a partidos nanicos, sem base parlamentar,
surfando numa repentina notoriedade inflada pela mídia e alimentada pelo
discurso “contra a política”, prometendo varrer a corrupção e as “velhas
raposas”. No primeiro caso, a aventura personalista de Jânio Quadros acabou num
golpe militar e numa ditadura que durou 25 anos. No segundo, a aventura personalista
de Fernando Collor, sem base parlamentar e passada a euforia inicial, terminou
em impeachment, bem antes do fim de seu mandato.
Voto na Dilma e contra
tudo isso que ainda está aí: a desigualdade social, o poder crescente do
capital, a cobiça sobre nossos recursos naturais, o preconceito contra os
homossexuais, a criminalização do aborto, o obscurantismo que impede avanços
científicos, a criminalização da política, as palavras vazias, os salvadores da
pátria. Com a direita autêntica fora do jogo podemos, sem grandes riscos de
voltar ao passado, debater o melhor caminho para seguir avançando. Ponto para a
democracia.
(1) Tzvetan Todorov,
Os inimigos íntimos da democracia, tradução Joana Angelica DÁvila Melo,
Companhia das Letras, 2012.
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