quarta-feira, 9 de junho de 2010

O tempo muda a vida

Olívia de Cássia – jornalista

Deixei de acreditar em cegonha, em Papai Noel e em contos de fadas muito cedo. Aprendi com as amigas da rua como nascem as criancinhas, numa idade ainda tenra e em que para nós tudo era novidade.
As curiosidades da infância para esses assuntos se revelavam a cada nova informação adquirida. Quando as mulheres da Rua da Ponte casavam ou tinham seus bebês, ou quando se reuniam para falar de suas vidas pessoais na nossa presença.
Lá em casa a gente não podia presenciar a conversa dos adultos; a educação de antigamente não permitia isso. Quando um adulto estava conversando com outro, na maioria das vezes, dependendo do assunto, as crianças tinham que se retirar do local ou não podiam se meter na conversa.
Não era como hoje em dia que as crianças desmentem os pais na frente dos outros. Era assunto de adulto, não permitido para nós, criança não cabia na sala. Mesmo assim, algumas vezes, dava para escutar quando minha mãe fazia algumas confidências para suas amigas ou para minhas tias.
As crianças e adolescentes nas décadas de 60 e 70 eram muito vigiados. Meu tio Antônio Paes de Siqueira, irmão mais velho de mamãe, de vez em quando chegava lá em casa para contar para meus pais o que ficava sabendo de nós na rua. Fosse no Bar da Sinuca, localizado na Avenida Monsenhor Clóvis, ou em outro local de União dos Palmares.
Minha tia Osória Paes de Freitas estava sempre atenta para as nossas traquinagens; era minha segunda mãe. Quando a gente dava uma escapulida da vigilância cerrada lá de casa, lá estavam meu tio Antônio e minha tia Osória para intercederem se fosse o caso, se fosse alguma coisa errada, na avaliação dos dois.
Nunca fui muito seletiva em se tratando de paqueras e acabava me interessando por meninos que não estavam a fim de mim. Sofria muito com isso. Esse sentimento me perseguiu a vida inteira, quem me conhece desde a infância sabe disso.
O tempo passou, mudou a vida. Dizem os escritores que o tempo é como o vento; ambos são soberanos. Quando a gente é criança tem mais tempo para viver e para sonhar, para observar o vento, para ver o balanço das folhas, o deslocar das nuvens. Eu ficava deitada no colo do meu avô observando os carneirinhos que se formavam nas nuvens, à noite, na porta da mercearia do meu pai.
Cada mudança das nuvens era um animalzinho que se formava e mostrava pro meu avô, que sorridente participava de todos os meus sonhos e fantasias de criança. Tinha mais tempo, tempo pra viver e para sonhar, mas só percebemos que o tempo passou quando olhamos para dentro de nós e não vemos mais aquela criança sonhadora e pura.
O vento foi tomando conta de tudo, levando os restos de esperança daquela menina acanhada e sonhadora que eu era. O tempo mudou o rumo da minha vida, só não sei dizer se foi para melhor.

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