quinta-feira, 10 de junho de 2010

O telefonema

Olívia de Cássia – jornalista

Ela acordou, como há muitos dias, pensando naquele com quem dividiu quase 20 anos de sua vida e que agora está afastado há sete. De repente, resolveu telefonar, usando como desculpa procurar saber o preço de uma geladeira usada – coisa que não seria uma mentira, já que a sua está em petição de miséria; ele trabalha no ramo da refrigeração e não estranharia aquele contato.
Seria uma desculpa convincente, na avaliação dela, para ouvir aquela voz que não ouvia fazia tempo. Do outro lado do aparelho, a voz que atende pareceu enfadada, desanimada, como se ele tivesse convalescendo de algum problema de saúde, ou acabado de acordar.
Ela: - Oi, sou eu. Você sabe dizer quanto está custando uma geladeira usada?
Ele:- Oi, não tenho aqui. Está tão barato uma nova que não vale a pena investir.
Ela - Ah, é que eu queria saber, pois aquela (a geladeira que ele tinha adquirido há oito anos) está toda enferrujada e a conta de energia está vindo alta. Queria saber o preço de uma em bom estado de conservação. Não posso, agora, comprar uma nova; meu computador pifou e vou gastar R$ 390 no conserto.
Ele- Não vale a pena, comprei um novo (computador) tela plana; as facilidades de aquisição hoje estão imensas.
Ela: - Tá certo, eu só queria saber, então. Tchau!
Ele - Tchau!
Depois que encerra a conversa, ela ficou com os olhos marejados de lágrimas. Fazia muito tempo que não ouvia aquela voz, tampouco via seu dono. Quanta falta ela ainda sente dele, apesar do tempo e de tanta coisa que aconteceu, desencadeando aquela separação.
Por mais que ela repita para si que esse caminho não tem mais volta, o coração ainda pende para o lado dele, ainda pensa em tudo o que eles viveram. De repente, alguém interrompe aquele pensamento....
Mas ela sabe que aquele pensamento seu é só uma saudade. Saudade de um tempo que achava que era feliz. Ela sabe, tem consciência de que ele está bem, vivendo outra vida, com várias mulheres, com filhos. Os filhos que ela não pôde dar para ele.
E quando pensa nesse detalhe, uma dor transpassa o seu coração. Foram tantos anos de convivência, de bons momentos; enfrentaram tantos obstáculos, a oposição da família, da sociedade, para viver aquela relação. Teria valido a pena tanta briga, tanta confusão?
O peso da saudade é grande, mas só lhe resta seguir o seu caminho, cheio de incertezas, em busca da felicidade. De resto, apenas a ligação pro celular, que foi quase impessoal. (FIM)

Um comentário:

Ninhos das Cobras disse...

Garota, você tem uma fluidez, um domínio de linguagem muito bom, prendendo o leitor até o final. Boa ficcionista, mesmo. Espero que seu livro saia logo para eu me deliciar. Quanto aos "contos" deste blog, muito bons. Parabéns!
Joaquim Alves

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