terça-feira, 22 de junho de 2010


Das tragédias da vida

Olívia de Cássia – jornalista

Já tinham me avisado que o cenário que eu ia encontrar na Rua da Ponte não seria agradável de ver. O coração bateu mais forte quando vi tudo acabado, todo o meu passado destruído. Não existe mais nada ali, apenas as lembranças na memória da infância e dos belos dias que vivemos na nossa querida rua da infância. Parece que foi atingida por um míssil, uma força extra-terrestre ou um tusinami.
As águas agitadas do Rio Mundaú, provocadas por uma enxurrada que desceu de Pernambuco, levaram tudo o que encontraram pela frente. Tudo mesmo. Ficou apenas um grande vazio naquele lugar onde nasci. Lembranças fortes de uma infância cheia de vida, cheia de história para contar, onde meus pais começaram a vida negociando na mercearia, no armazém e bem antes, no pequeno hotel.
Só sobraram restos de escombros, de tijolos, lama e areia. A pouca vegetação da rua e da orla ribeirinha foi toda levada pelas águas que vieram por baixo e por cima da ponte, nossa querida ponte, que ficou sem grades de proteção e sem as cabeceiras que estão sendo refeitas pelas máquinas da prefeitura.
É impossível e não se deve mais construir nada no local. O Rio Mundaú, nosso querido rio, ficou mais largo, mais raso ainda, com os entulhos que foram para o seu leito de águas que ficaram mais barrentas. A fúria com que tudo foi levado causou espanto e desespero aos moradores das cidades ribeirinhas pro onde ele passa.
É impossível a gente não se emocionar, não se comover diante de tanta tragédia e de tanta tristeza. Diminuído o volume das águas, ficou o rastro da destruição no caminho; agora o que resta é só a saudade, lembrar dos momentos bons que ali vivemos, contabilizar o prejuízo e usar de toda a solidariedade para com tantas famílias desabrigadas e sem ter onde viver.
As escolas e o ginásio de esportes estão cheios. As famílias choram a perda de seus bens materiais e alguns até a vida de outros. É muita calamidade e muita tristeza. Sinto-me insuficiente e impotente diante disso tudo. Queria ter poder aquisitivo disponível para ajudar os meus conterrâneos que estão sofrendo com isso tudo, independente de quem sejam eles.
As histórias de como as vítimas conseguiram se salvar do afogamento se propagam na cidade, mas algumas pessoas aproveitam também para espalhar boatos maldoso de fatos que não aconteceram também. Algumas mortes anunciadas, graças a Deus não se concretizaram, mas outras foram reais e deixaram a todos entristecidos.
Para descontrair um pouco a situação, há relatos de uma senhora que diz ter sido salva porque se agarrou a uma porca enorme que ia descendo nas águas do Mundaú. Outro senhor de 70 anos conseguiu se salvar agarrando em uma cerca com arame farpado, por volta das sete horas da noite, apesar de ser diabético, ter problemas de saúde, mas encontrou forças pra lutar e conseguir se livrar do afogamento.
Outro morador da Rua da Ponte, seu Antônio, dono de um mercadinho, não teve a mesma sorte e morreu junto com seu filho porque tentou salvar seus pertences. As águas subiram muito rapidamente e não deu tempo para que conseguisse se salvar.

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