Meus pais
Olívia de Cássia – jornalista
Não gosto de enquadramentos; sempre fui assim desde menina: sei
que para algumas pessoas é difícil me entender, mas não tem problema, eu só
peço respeito. Às vezes eu me policio e tento ser mais amena, ninguém é
obrigado a me entender, mas o respeito é fundamental nos relacionamentos
sociais.
Quando adolescente eu tive muitos problemas familiares com
meu jeito de ser, pois eles não entendiam a minha rebeldia e o que eu queria
com aquelas atitudes, mas eu só queria minha autoafirmação e um mundo melhor
para todos.
Hoje eu sou uma mulher madura, cheia de imperfeições e
avalio agora que era muito complicado para minha mãe entender aquela
adolescente e depois a jovem, cheia de pensamentos ‘revolucionários’ diferentes
dos dela que nasceu em 1924.
Imaginem o nó que eu devo ter dado na cabeça dela, nas
décadas de 1970 a 1980 (quando da minha fase mais rebelde). Criada aos moldes
dos filhos dos senhores de engenho, que queriam todos aos seus pés e fazendo
tudo o que eles mandassem, minha mãe, definitivamente não me entendia.
Talvez tenha sido por isso, avalio eu agora, que tenhamos tido
tantas desavenças e estranhamentos. Eu não queria para mim aquela vida de
obediências militares e de balançar a cabeça afirmativamente para tudo o que me
apontassem como dever e obrigação e o certo.
Hoje em dia, apesar de continuar com meus pensamentos
libertários, sinto falta daqueles cuidados. Sinto falta daquela ‘proteção’ e do
medo que ela tinha que eu me envolvesse com situações ‘perigosas’, porque foi por causa daquela precaução que eu
me tornei uma cidadã consciente dos meus deveres e com afirmação de que o mundo
que eu queria e quero não é um mundo de desiguais.
Minha cabeça sempre funcionou assim. Mas eu sinto falta do
olhar caridoso e bondoso do meu pai, que toda sexta-feira organizava filas na
porta da ‘bodega’ para dar esmolas aos mais necessitados da Rua da Ponte; não
que ele não fizesse caridade diariamente, mas às sextas-feiras esse ato era
obrigatório e ele colocava pequenas porções de itens da cesta básica para
deficientes visuais e físicos e moradores das ruas.
Além de ter sido fiador de imóveis de várias pessoas, meu
pai tinha casinhas de aluguel que muitas vezes deixava passar o mês e não
cobrava, quando os inquilinos estavam começando a vida e passando por
perrengues maiores e dificuldades diversas.
Em toda União dos Palmares meu pai era conhecido como um
homem de caráter, honesto, religioso,
bondoso e amigo. Seu fanatismo político e religioso sempre foi sobressalente:
ele era devoto de Santa Maria Madalena, a quem rendia graças por ter sido
curado de uma tuberculose nos ossos quando eu tinha quatro anos e ele foi
desenganado dos médicos em Maceió e Recife.
Para muita gente cética talvez isso seja lenda, mas meu pai
era um herói. Baixinho, gordinho, moreno e maravilhoso; um homem que conheceu
as dificuldades da vida na mais tenra idade; órfão de pai e mãe muito cedo, mas
que não se deixou abater lá na roça, na Baixa Seca, onde meu avô paterno lhe
deixou algumas poucas terras e ele vendeu, depois da insistência da minha mãe,
a preço miúdo, para tentar a vida na cidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário