Ativista do movimento negro observa
que será feita uma representação contra a omissão
Olívia de Cássia - repórter
A professora de capoeira e dança Silene Gomes, produtora cultural e integrante do movimento negro disse no sábado, 20, que a demolição da Vila dos Pescadores de Jaraguá terá desdobramentos e que será feita uma representação contra a omissão das instituições pelo fato acontecido.
Ela observa que na visão dos poderosos, a pobreza precisa sair da vista do turismo e por isso foi feita a ‘faxina social’ pela prefeitura. “Vamos juntar todo mundo, ver o que tem, como articular, fazer a denúncia nacional e fazer uma representação contra essas instituições que foram omissas”, observa.
Segundo ela será feita uma moção de apoio ao movimento; uma representação contra os direitos humanos que foram feridos, a forma como o pessoal está alojado, moradia social, entre outras questões a serem ponderadas.
Silene Gomes observa que dá aulas de capoeira há anos em Jaraguá. “Acompanho de perto a luta da comunidade e por conta da desocupação, alguns direitos foram jogados fora; a demolição, da forma que aconteceu, não poderia ter ocorrido”.
No local ela relata que tinha criança, idoso, gestante, e reforça que a Prefeitura não comunicou à comunidade nem a ninguém a retirada das famílias naquele dia, “usou um aparato de guerra para retirar o pessoal e tudo foi destruído”, reclama.
A ativista também relata que quem tirava os móveis e utensílios das casas eram os garis. “Então os garis carregaram o lixo da faxina social que a Prefeitura fez, junto com os poderosos”, argumenta.
Silene Gomes comenta também que as casas da vila foram derrubadas automaticamente para ninguém retornar. “Dentro das casas derrubadas, houve a demolição de um terreiro de candomblé; questões que precisam ser colocadas e chamar a responsabilidade e essa reunião de hoje foi feita para isso: era uma comunidade tradicional, de pesca, que existia desde mais de 60 anos”, explica.
Silene Gomes destaca também que o terreiro era protegido pela Lei Federal Nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.
Além do terreiro, também o ponto de cultura do Governo Federal, que trabalhava com educação inclusiva das crianças , mais a comunidade tradicional de pesca. “A comunidade fazia parte de um museu: O Museu Cultura Periférica, que é uma nova metodologia no Brasil e trabalha com memória social. Então a memória social, a tradicionalidade foram direitos jogados fora”, observa.
Além do terreiro, também o ponto de cultura do Governo Federal, que trabalhava com educação inclusiva das crianças , mais a comunidade tradicional de pesca. “A comunidade fazia parte de um museu: O Museu Cultura Periférica, que é uma nova metodologia no Brasil e trabalha com memória social. Então a memória social, a tradicionalidade foram direitos jogados fora”, observa.
Essa batalha dos trabalhadores da Vila vem acontecendo há mais de oito anos, a professora argumenta que tem: “A luta contra o poder econômico, que é muito forte, tem a omissão durante muito tempo das instituições: o Iphan deveria ter assumido responsabilidade, Fundação Cultural Palmares, todas as entidades que defendem a memória”, avalia. O mais agravante, segundo Silene Gomes, é que no dia da demolição, 17 de junho, essas instituições não tiveram presentes ao ato.
(Até este sábado, 20), “já se passaram quatro dias e essas instituições não se manifestaram e nem vão se manifestar, inclusive a Federação de Cultos Ubandistas que não foi lá dizer ‘chega de intolerância’. Essa reunião foi para avaliar esses pontos , trabalhar as questões internas dos moradores e saber o que estão precisando de imediato”, complementa.
A professora também comenta que integrantes do grupo estão indo nos abrigos para onde os moradores foram alojados, para fiscalizar a ação da prefeitura e também “para gritar para o mundo que nós estamos no século XXI, por todas essas coisas que eu falei os direitos são rasgados e ninguém faz nada”, reclama.
Segundo ela, é preciso cobrar responsabilidade das instituições constituídas, de todo mundo, “porque a informação que nós temos é que agora foi a Vila dos Pescadores e depois será o pessoal da orla lagunar, pois a orla precisa estar à disposição dos poderosos, eles querem fazer a faxina de fato: tirar preto, negro, cigano, moradores de rua, feio, pobre e sujo”, pontua.
Acesso à moradia está garantido no Estatuto da Igualdade Racial
O acesso à moradia está garantido no Capítulo IV do Estatuto da Igualdade Racial. “O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida”, diz o texto.
Segundo o advogado e ativista cultural Tiago Nagô de lá de Olinda – PE, “o direito à moradia adequada, para os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento habitacional, mas também a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários associados à função habitacional, bem como a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação em área urbana”.
Segundo ele, em depoimento no Facebook, o Estatuto garante que os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra.
“Os estados, o Distrito Federal e os municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)”.
Art. 37. Os agentes financeiros, públicos ou privados, promoverão ações para viabilizar o acesso da população negra aos financiamentos habitacionais. Cumpra-se a lei”, diz o texto.
Marisqueira morava no local há 32 anos e diz que todas as leis eram favoráveis à permanência
A marisqueira Francineide Oliveira, casada dois filhos, um de treze e uma menina de oito, morava na Vila dos Pescadores de Jaragua há 32 anos. Filha de pescadores e casada com um, ela conta que faz parte do grupo da resistência: é diretora da Associação de Moradores e argumenta que seu grupo permaneceu no local porque todas as leis eram favoráveis aos moradores quando diz que em comunidade tradicional não se pode mexer e a vila estava dentro desse contexto.
“A vila existia há mais de 80 anos, tem uma senhora de 78 anos, dona Audisseia, que dizia que quando chegou lá a vila já existia. Tanto ela quanto o esposo pescador são pessoas que moravam lá há anos. Essas retirada pra gente foi uma perda incomparável, um choque, estamos com trauma até hoje, não acordamos ainda, parece que foi um pesadelo”, comenta.
Francineide Oliveira observa que agora os filhos estão com dificuldade para irem à escola, porque o ônibus que colocaram para o transporte escolar não traz até o local onde ela está e disse que vai brigar por isso também. “Não tem comparação, a distância; estamos sem condições de trabalho, porque a fábrica de gelo foi desativada, nós estamos sofrendo”, pontua.
A marisqueira destaca que cercaram a vila, para que ninguém mais tenha acesso ao local. “O prefeito matou uma comunidade tradicional, é revoltante como as autoridades poderiam ter feito alguma coisa e não fizeram. Para o bom entendedor boa palavra basta, os governantes são uma panelinha só, é revoltante e quem sofre é a população. Nós temos direito, mas a lei nunca quer dar o direito que o povo tem. Se realmente existisse justiça a gente não sairia da vila e se tivesse interesse essa causa estava ganha”, avalia.
REFLEXÃO
Catarina de Laboure esteve à frente da Secretaria de Cultura do Estado e Ministério da Cultura na época da implantação e implementação do Ponto de Cultura da Vila dos Pescadores. Em contato com a reportagem, ela escreveu no Facebook: “Peço a todos os amigos que vejam, reflitam e colaborem como puderem com essa Comunidade, Vila dos Pescadores do Jaraguá. Conheço a sua história de luta desde 2005 e ainda não acredito que as coisas tenham caminhado para esse desfecho”, observou.
Segundo Catarina Laboure, a forma como foi conduzida a desocupação da área mostrou descuido total com o destino das pessoas, especialmente das crianças e os idosos.”E as crianças do Ponto de Cultura Enseada das Canoas, com seus tambores, pincéis e câmeras fotográficas? O Ponto de Cultura que nem tem outro local para se instalar ou pelo menos guardar os equipamentos e mobiliários adquiridos com recurso do Estado e da União (Ministério da Cultura e Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas )”, pontua.
Na postagem Catarina coloca ainda: “Esperamos que as autoridades estejam a par destas coisas e que as providências estejam sendo tomadas. Ah, e o IphanGovBr , como fica a questão dessa comunidade tradicional da pesca? Esperamos que a imprensa informe mais a população sobre esse episódio e seus desdobramentos”, finaliza.
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