Mãe Vitória fala dos maus momentos
que passou com a demolição
de terreiro e ponto de cultura
na Vila dos Pescadores
Olívia de Cássia - Repórter
Decepcionada com a falta de humanidade, de caridade e humanismo, proporcionada pela ação dos funcionários da Prefeitura de Maceió, no ato da desocupação dos moradores da Vila dos Pescadores, em Jaraguá, a sacerdotisa Maria Vitória de Lima Oliveira, a Mãe Vitória, que residia e mantinha um terreiro de candomblé no local, há 35 anos, em depoimento emocionante em vídeo que viralizou na internet, denunciou a ação truculenta para reintegração de posse do local, acontecida na manhã da última quarta-feira (17).
O vídeo com o depoimento da religiosa falando da demolição do terreiro de candomblé e do ponto de cultura foi compartilhado na internet por lideranças de cultura, religiosos e simpatizantes da causa de várias partes do país, que já se manifestaram indignados com a ação da Justiça alagoana. (Veja vídeo - reprodução Youtube - Sabage Midiática)
A operação foi realizada pela Polícia Militar, em parceria com a Secretaria de Estado da Defesa Social e Ressocialização (Sedres), o apoio do Corpo de Bombeiros, Polícia Federal, Guarda Municipal e outros órgão municipais. A reportagem foi ouvir neste sábado, 20, moradores da Vila dos Pescadores, lideranças de movimentos culturais e apoiadores que estão mobilizados para buscarem alternativas e cobrar um posicionamento a quem de direito.
Segundo a religiosa, muita gente não tem para onde ir e foram para abrigos que a Prefeitura determinou, sem a mínima estrutura para abrigar seres humanos, principalmente crianças. Mãe Vitória comentou emocionada que seu terreiro foi demolido, ‘sem dó nem piedade’, juntamente às casas e barracos do local.
Tudo foi ao chão e quem passou pelo local neste sábado viu que foram colocados tapumes ao redor, onde antes eram as casas. A religiosa lembrou que a liberdade de crença é um direito assegurado na Constituição Federal e que esse direito foi violado barbaramente em Alagoas.
“Eu não ia construir no local sem autorização. O oficial de Justiça não teve o mínimo respeito e disse: ‘quem é Oxalá?’ Por que não pode derrubar o santo?’ Isso me deixou muito constrangida”, pontuou.
Para construir o templo, a religiosa conta que pediu autorização à União, meio ambiente, para a ocupação. “São 35 anos que eu morava lá, no templo tinha mais quatro famílias, um total de quinze pessoas, nós sempre ajudamos as pessoas necessitadas; eles não têm para onde ir”, desabafa.
Segundo a religiosa, a demolição das casas, do terreiro e do ponto de cultura foi uma violência inesperada: “A intolerância e a discriminação que há séculos perseguem as religiões de matriz africana representam uma das faces mais perversas do racismo brasileiro”, avalia.
Mãe Vitória comenta ainda que os oficiais de Justiça do Estado estão despreparados, pois não têm traquejo para lidar com o ser humano. “Eu estou em choque e decepcionada com o prefeito Rui Palmeira, em quem eu e meu povo votamos. Prefeito, muito obrigada pelo o que o senhor fez conosco, esse foi o agradecimento que tivemos pelos votos que demos ao senhor”, disse ela.
Segundo a mãe de santo, nesse momento os povos da religião de matriz africana estão vivendo um novo Quebra de terreiro. “Isso não pode ficar assim. O Estado publicamente reconheceu e pediu perdão pelo que aconteceu em 1912 e agora acontece outra vez”, pontua a Mãe Vitória, mostrando a documentação que tem em mãos, com a autorização da União de funcionamento do terreiro.
A religiosa lembra ainda que o que aconteceu foi uma violação dos direitos humanos. “Foi uma violação dos nossos direitos; estou muito constrangida com a forma que eles chegaram; a abordagem; a crítica à religião; falta de respeito e de consideração. Eles não quiseram acordo, pedi que me dessem três dias, 24 horas para a gente organizar as coisas, mas eles não quiseram acordo”, explica.
Mãe Vitória disse que está morando de favor na casa de amigos e que os pertences do terreiro foram divididos em outros locais, porque não caberiam na casa onde está alojada. “Não posso pagar aluguel, porque uma casa para caber todas as minhas coisas, as panelas de barros, os santos, tem que ter espaço e o aluguel é alto. Eles estão pagando um aluguel social de R$ 200 e não dá. Sou viúva e não tenho como pagar”, observa.
A religiosa destaca que os oficias disseram que ela tinha que tirar as coisas, urgente, dentro de duas horas: “Queriam que eu colocasse os móveis e pertences fora, o negócio era derrubar imediatamente, derrubar logo o terreiro. É tanto que quando deram início à demolição, foi antes de eu retirar as coisas. Estou me sentindo constrangida”, reforça.
Segundo a mãe Vitória, se a ação tivesse sido com outras religiões os oficiais não teriam agido dessa forma: “Eu queria ver se fosse uma igreja evangélica, ou católica ou outro local. Eu não vou ficar de braços cruzados e vou procurar autoridades que se comprometeram em dar apoio e não o fizeram: eles podem ter demolido a construção, mas a nossa história não vai morrer”, reforça.
A mãe de santo finaliza observando que ela e todos os demais moradores da Vila dos Pescadores de Jaraguá estão sofrendo: “Eu não posso ir para os albergues que não tenho saúde. Eu quero justiça, confio na justiça divina. Ali tem pescador, tem marisqueira, pessoas dignas, trabalhadores, que convivi muitos anos. É preciso que alguém ajude esse povo que foi escorraçado de sua moradia”, ressalta.
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