Olívia de Cássia – jornalista
Naquela época, décadas de 1970 e 80, o rock in roll era a
principal influência musical da minha geração, além de mitos da MPB como Chico
Buarque, Caetano, Raul Seixas, Gil, Gal, Bethânia, Elis e outros.
Aquela menina
ingênua e sem maldade nenhuma no coração não tinha noção de perigo que por
acaso pudesse estar correndo em alguma situação ou preconceito com suas
amizades ou quem quer que fosse.
A preocupação dos pais, acentuadamente da mãe, era muito
mais com a questão sexual: tinha medo que a filha se envolvesse em
relacionamentos considerados perigosos, com homens comprometidos ou outros que
tais.
Àquela época teve início a liberação sexual, 'uma perspectiva social que
desafiava os códigos tradicionais de comportamento relacionados à sexualidade
humana e aos relacionamentos interpessoais'.
Não era como nos dias de hoje em que a iniciação sexual das
meninas se dá muito cedo; quando uma moça ‘fugia’ com o namorado, tinha que
casar. Eram feitos casamentos na base da obrigação. O fenômeno ocorreu em todo
o mundo ocidental dos anos 1960 até os anos 1970, segundo relatos dos
historiadores.
E muitas das mudanças
no panorama desenvolveram novos códigos de comportamento sexual, muitos dos
quais tornaram-se a regra geral, não era o meu caso, eu ainda brincava de
bonecas até os 17 anos, quando me apaixonei, tive meu primeiro namorado e doei
os brinquedos, com vergonha das amigas que pudessem rir de mim.
Os jovens daquela época estavam despertando para essas
questões e naquele tempo o consumo de maconha, embora acanhado, com relação aos
dias de hoje, por alguns amigos daquela menina-moça, deixava a mãe em pé de
guerra, com medo das influências que pudessem colá-la naquele caminho ‘do mal’.
Embora aquela menina tivesse desejos e sonhos à frente do
seu tempo, eram sonhos profissionais, utópicos, platônicos, sonhos de viajar e
conhecer mundos e se tornar uma jornalista e escritora algum dia, feito
Euclides da Cunha, influenciada pelos livros que lia.
Era muita pretensão juvenil e apesar disso tudo, ela tinha
uma relação fraterna, de confidências e irmandade com aqueles amigos e não se
importava com aquelas preocupações de mãe. E quando entravam em desacordo de
opiniões, os conflitos de gerações se davam e a guerra estava estabelecida.
Lá em casa tinha um chicote atrás da porta e sempre que eu
quebrava aquelas regras, sentia o peso daquele açoite, revelado nas manchas
escuras que ficavam em meu corpo; mas nenhuma atitude daquilo que eu achava ser
o sistema, abalou meus sonhos. Continuei a perseguir o meu caminho, embora
muitas vezes descontroladamente e de forma atabalhoada, ingenuamente, achando
que seria ‘capaz de sacudir o mundo’, como disse o Raul.
Não passava pela minha cabeça que meus pais não alcançavam
meus sonhos, projetos de vida. Eu queria viver em liberdade, morar sozinha (e
vivia de certa forma), não era impedida de ir e vir, mas era uma liberdade
vigiada e controlada que às vezes sufocava de certa maneira.
Não era permitido muita coisa naquele tempo: havia muitas
regras na casa; amigos, só as meninas podiam frequentar o quarto e a sala, mas
como eu gostava de quebrar regras, um dia permiti que o amigo Everaldo 'Mala
Veia' entrasse em meu quarto, de portas abertas e sentasse em um banco para
conversar e eu desabafar meus 'problemas' com ele.
Essa atitude ‘desafiadora’ foi suficiente para me render uma
bela sova e um castigo e assim acontecia sempre que eu quebrava as ditas regras
rígidas da minha mãe, que acontecia com frequência. Dona Antônia, por sua vez,
com medo do que os outros pensassem e que a filha tivesse indo para o ‘mau
caminho’, ouvia tudo o que os outros falavam e não queria saber se os boatos se
confirmavam e, por conta dessas preocupações, terminava metendo os pés pelas
mãos, agindo com rigor e sem dó nem piedade.
Acredito que não fosse por maldade, mas do medo que ela
tinha, associado à criação rigorosa que teve de um pai ex-senhor de engenho e de
uma mãe submissa; e assim queria que eu agisse da maneira que ela avaliava que
fosse o ‘certo para uma mocinha’.
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