Seja para
uso medicinal ou lazer, opiniões se dividem, mas a maioria é contra, segundo
pesquisa
Olívia de Cássia – Repórter
A legalização da maconha é um tema que gera uma
ampla discussão em todo o mundo: alguns dizem que o comércio legal acabaria com
o tráfico e diminuiria as mortes decorridas da venda ilegal, mas quem é contra
não acredita nessa teoria e avalia que substâncias afetam comportamento de quem
utiliza.
A discussão chegou ao Congresso Nacional, desde o
começo deste ano. A matéria surgiu de uma sugestão de iniciativa popular, com
20 mil assinaturas: propõe que o uso da maconha seja regulamentado, da mesma
forma que as bebidas alcoólicas e o cigarro.
Uma pesquisa do Ibope/Estado/TV Globo, divulgada no
dia 3 de setembro, revela que 79% dos eleitores brasileiros são contra a
descriminalização e apenas 17% a favor, seja para uso medicinal ou para o
lazer. O tema é tabu, provoca desconforto quando é abordado e
provavelmente não irá para votação este ano por conta de ser um ano
eleitoral.
A reportagem da Tribuna Independente foi ouvir
alguns setores da sociedade sobre o assunto. O delegado de Polícia Civil em
Alagoas, Jobson Cabral, da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico (DRN), disse
que é totalmente contra a legalização de drogas no país, já que o tráfico é o
catalisador da maioria das ações criminosas registradas em Alagoas e não
diminuiria a violência.
Delegado de Polícia Civil em Alagoas, Jobson Cabral, da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico (DRN) (Foto: Ascom / PC-AL)
“Como operador de segurança sou totalmente contra a
legalização de drogas, pois as que são lícitas já estão matando, a exemplo do
álcool. O Brasil não está preparando para isso e é complicada essa discussão;
estamos vendo que de cada dez crimes, oito são por causa do tráfico de drogas”,
observa o delegado.
Estudioso
diz que qualquer tipo de droga faz mudanças no grau de consciência
Advogado, jornalista e formando em psicologia Arnaldo Santtos (Foto: Arquivo pessoal)
O advogado, jornalista e formando em psicologia
Arnaldo Santtos, destaca que qualquer tipo de droga, seja ela maconha,
crack, cocaína e tantas outras fazem mudanças nas sensações, no grau de
consciência e no estado emocional das pessoas, por um período de tempo curto.
“Ninguém precisa estar ‘fora da realidade’ para
viver bem; pelo contrário. As psicoses, quando instaladas, produzem uma cisão
na capacidade do indivíduo de enxergar a realidade da fantasia. E por isso as
pessoas acometidas pelo transtorno são incapazes de distinguir o certo do
errado, quando surge o surto”, observa.
Segundo Arnaldo Santtos, quando isso corre, a lei
assegura ao paciente psicótico, cientificamente comprovado, por meio de
entrevistas e testes psicológicos, a isenção da penalidade. O formando em
psicologia avalia que a discussão sobre a liberação da maconha não é uma
questão de liberdade do ser humano de optar ou não pelo uso de uma substância.
“A questão passa pelo viés financeiro; ou seja, de
quem pretende comercializar o produto, já que estamos num sistema econômico -
capitalista -, que não mede esforços para lucrar, mesmo que um produto possa
prejudicar a saúde de alguém ou de toda uma comunidade; essa é a questão”,
explica.
Arnaldo Santtos observa que a natureza está a
serviço do homem e o que se produz de medicamento é oriundo dela, mas que é
preciso distinguir o que é uma substância que é utilizada para o bem e para o
mal. “Já foi cientificamente comprovado o uso das substâncias derivadas da
maconha para uso medicinal, isso é louvável, mas é a exceção da regra e
não a regra geral; ou seja, achar que todos podem utilizá-la de maneira
indiscriminada”, destaca.
O estudioso em psicologia pontua ainda que as
substâncias encontradas nas drogas, usadas indiscriminadamente, podem acelerar
o processo do surgimento de alterações ou transtornos mentais para quem as
utiliza.
“Sou totalmente contra a liberação da maconha e de uma
legislação mais rigorosa, principalmente na área de marketing, quando faz
apelos às pessoas de que o uso de bebidas alcoólicas não faz mal, basta
‘beber com moderação’. O Brasil é campeão de acidentes em rodovias no mundo e
um dos motivos é o uso de bebidas alcoólicas”, exemplifica.
Política
sobre drogas no Brasil precisa ser encarada e assumida pela classe política
Professor de Literatura e Língua estrangeira Sérgio Rogério Oliveira da Silva (Foto: Arquivo pessoal)
O professor de Literatura e Língua estrangeira
Sérgio Rogério Oliveira da Silva, ex-secretário da Juventude de União dos
Palmares, avalia que a política sobre drogas no Brasil precisa ser encarada e
assumida pela classe política. “Não dá para ficar em cima do muro; avalio que
só a partir da legalização da maconha podemos perceber até onde vai a
nocividade deste tipo de droga. Penso que a legalização deve acontecer, mas a
princípio não totalmente abeta; deve existir algumas restrições”, observa.
Sérgio Rogério entende que a exemplo da Holanda, o
Brasil deve destinar locais especializados para a venda, com determinação de
peso inclusive. “Não faço e não levanto o discurso de que, com a legalização da
maconha acabará o tráfico: não, não faço, mas acredito que diminuirá, e muito,
a onda de mortes por dívidas, apesar de saber que a droga que causa dependência
forte e é hoje a causadora da dívida e das mortes é outra, bem mais nociva e
perigosa, que é o álcool”, destaca.
O ex-secretário da Juventude de União acrescenta
ainda que sua avaliação não quer dizer que ele seja usuário de qualquer
substância ilícita: “Quero relatar aqui também que não sou usuário nem nunca
experimentei a maconha, apenas acho que o mal do mundo não é causado pela
erva”, pontua.
PRECONCEITO
O advogado Raphael Souza avalia que a sociedade
brasileira é conservadora e preconceituosa e observa que a legalização da
maconha é uma realidade em países como o Uruguai e em alguns estados
norte-americanos. “Aqui no Brasil quem ousa defendê-la é tachado sumariamente
de maconheiro e sequer tem seus argumentos ouvidos; um acontecimento que
demonstra bem esse conservadorismo e a pesquisa do Ibope só reforça essa
ideia”, destaca.
Raphael Souza justifica seus argumentos sobre o
conservadorismo da sociedade brasileira lembrando que, em 2013, uma equipe de
ginástica dinamarquesa veio disputar um campeonato no Rio de Janeiro e durante
sua estadia as atletas foram à Praia de Copacabana e foram hostilizadas, por
fazer topless: “Uma conduta muito comum nas praias europeias e o caso envolveu
até polícia”, destaca.
PHD em
neurociências da USP defende totalmente a legalização das drogas
Alagoana Hadassa Batinga é PHD na USP e está concluindo sua tese de mestrado na área de neurociência (Foto: Arquivo pessoal)
Hadassa Batinga é alagoana e é PHD na Universidade
de São Paulo; está concluindo sua tese de mestrado na área de neurociência e o
tema abordado em sua tese de doutorado é a “Participação do sistema canabinoide
em processos oxidativo e inflamatório relacionado à neurodegeneração in
vitro”.
Pelo Facebook ela concedeu entrevista à reportagem
da Tribuna Independente, falou sobre a questão da legalização da
maconha; do seu trabalho de pesquisa e disse que é a favor da legalização de
todas as drogas. Hadassa Batinga avalia que a pesquisa do Ibope indicando que
79% dos eleitores são contra a legalização da maconha não é confiável.
“Sou cem por cento a favor da legalização de todas
as drogas no país. Com a legalização e a regulamentação, o tráfico no país
acaba: cobra-se impostos; cria-se trabalhos e não alimenta o lobby político que
há atrás de todo o tráfico de drogas”, analisa.
A cientista avalia também que, com a legalização da
maconha e de outras substâncias químicas, muitas vidas serão salvas: “Muitas
crianças terão oportunidade de ir para a escola e as mães voltarão para suas
casas em segurança, porque não mais encontrarão o Bope ou qualquer polícia que
o valha fazendo guerra na frente da sua casa”, justifica.
Hadassa Batinga pontua que, da mesma forma que
existem remédios controlados, essas drogas podem ser vendidas de forma
controlada também. “Além de dificultar o acesso das pessoas a elas, acredito
que vai melhorar o tipo de droga que chega ao consumidor. Por que elas serão
comercializadas como um produto industrializado e logo deverão passar por um
controle de qualidade”, ressalta.
SEGURANÇA
A jovem também entende que a legalização da
maconha, não apenas garantiria a segurança do consumidor, como facilitaria e
avançaria as pesquisas sobre drogas, combate, vícios, malefícios e benefícios
que elas podem gerar, e “podia-se determinar quem teria acesso à
comercialização, por exemplo, em farmácias, para maiores de 21 ou 25
anos”, sugere.
Ainda para defender sua teoria, a neurocientista
acrescenta que com essas medidas os usuários de drogas poderiam ter uma cota de
retirada por mês ou semana. “De modo que o governo teria o controle de quem e o
que está se consumindo. Acredito que melhoraria muito as pesquisas e o governo
poderia criar um banco de dados, para ficar sabendo as pessoas que têm
potencial para se viciar ou se estão pegando e vendendo”, opina.
Para Hadassa Batinga, o que dificulta mais as
pesquisas hoje em dia, no caso da maconha, é a má qualidade do produto. “O que
é vendido na ‘boca-de-fumo’ não é igual para todo mundo: não existe um padrão
de cigarros, quantas gramas, o que tem em cada cigarro... então, não tem como saber
o que realmente está provocando no organismo da pessoa. Eu penso assim:
sou a favor da legalização com regulamentação, comercialização controlada
e fiscalizada”, reforça.
A PESQUISA
Para desenvolver a sua tese, Hadassa Batinga
explica que expôs a cultura de células (linhagem neuronal de camundongos) a
ambiente de estresse oxidativo e inflamação para mimetizar o ambiente em que se
encontram os neurônios quando começam a desenvolver doenças neurodegenerativas.
“Tratei esses neurônios com canabinoides sintéticos,
já que no Brasil não é permitido nem fazer pesquisa com THC propriamente dito,
mas a maconha não é só THC, tem vários outros compostos, como o canabidiol, que
não tem o efeito psicotrópico. E mesmo com esse compostos são encontradas
muitas dificuldades”, explica.
A cientista conclui que os resultados de suas
pesquisas foram positivos, no sentido de que conseguiu “neuroproteção dessa
cultura de neurônios”, finaliza.
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