Por Olívia de Cássia
Querido Diário, estou
de volta. Mais um dia em que me foi permitido levantar, embora que com muita
dificuldade. Fiz alguns exercícios antes de levantar da cama hoje, senti
dificuldade. Para os portadores de ataxia, cada dia é mais um dia de
agradecimento e perseverança.
Fui andar um pouco na rua e comecei a elaborar esse texto na
mente. Acordei com uma sensação estranha e de saudade. Saudade de um tempo em
que eu não parava de ‘bater perna’ na minha querida União dos Palmares.
Eram idas rua acima, rua abaixo: fosse para postar cartas
para os amigos e familiares, quase que diariamente, pegar livros nos Correios
ou fotos reveladas, o que gerava muitos falatórios nas beatas e fofoqueiras de
plantão.
Afora essas saídas que eu considerava de fundamental
importância naquela época, como opção para sair de casa eu ainda tinha a ida à
casa das amigas da adolescência, algumas até para brincar de bonecas. Isso já
na Rua Tavares Bastos, depois que saímos da querida Rua da Ponte.
É fato. Até meus 17 anos eu ainda brincava de bonecas e
tinha meus brinquedos de casinha, diferente das meninas de hoje, que muito cedo
largam os sonhos infantis. Fazíamos gostosas paneladas: isto é, minhas amigas
cozinhavam, já que desde menina nunca tive apreço por essa arte.
Brincávamos de ‘cozinhado’ no quintal das amigas; andava nas
bicicletas empestadas delas, porque nunca possui uma, naquela época de sonhos, embora
desejasse muito. E para me desviar dos desejos de consumo da adolescência,
papai dizia que quando eu completasse 18 anos eu teria um carro.
Hoje acho tudo muito engraçado. Doce ilusão. Seu João era
uma pessoa linda; amo-o tanto e ainda tenho tanta saudade, que às vezes esqueço
que todos nós temos que morrer algum dia e que se ele tivesse nesse plano ainda
estaria mais debilitado do que já estava.
Aos 96 anos, a não ser que se tenha saúde de ferro, não é
possível estar bem, principalmente para um portador de ataxia, que não chega a
tanto. Mas lembrar do meu pai e da minha mãe também, da fortaleza que ela
tinha, me dá mais estímulo para continuar na luta.
A continuar perseverando até quando Deus quiser. Sei que não
tenho muito tempo pela frente, minha estada por aqui será mais curta ainda, mas
antes de partir para o encontro final eu quero ainda fazer muitas coisas,
escrever sobre a vida, falar sobre poesia; ler muito e deixar um legado para os
meus sobrinhos e sobrinhos-netos, já que não pari descendentes.
Quero deixar uma mensagem de alegria, de muito bem querer,
desejar que eles aproveitem o que a vida tem de melhor e mais importante para
oferecer e ter esperança por dias melhores, mesmo estando muito difícil a gente
vislumbrar no país atualmente momentos de lucidez, com tudo isso que está
passando na política brasileira.
Mas apesar de avaliar como importante para todo cidadão
consciente conhecer todos os meandros da política e ter boa informação, avalio
hoje não é só disso que se vive e estou aprendendo a me reinventar e colocar
mais suavidade na vida. Bom dia.
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