quinta-feira, 5 de maio de 2016

Querido diário, bom dia ...



Por Olívia de Cássia

Querido Diário,  estou de volta. Mais um dia em que me foi permitido levantar, embora que com muita dificuldade. Fiz alguns exercícios antes de levantar da cama hoje, senti dificuldade. Para os portadores de ataxia, cada dia é mais um dia de agradecimento e perseverança.

Fui andar um pouco na rua e comecei a elaborar esse texto na mente. Acordei com uma sensação estranha e de saudade. Saudade de um tempo em que eu não parava de ‘bater perna’ na minha querida União dos Palmares.

Eram idas rua acima, rua abaixo: fosse para postar cartas para os amigos e familiares, quase que diariamente, pegar livros nos Correios ou fotos reveladas, o que gerava muitos falatórios nas beatas e fofoqueiras de plantão.

Afora essas saídas que eu considerava de fundamental importância naquela época, como opção para sair de casa eu ainda tinha a ida à casa das amigas da adolescência, algumas até para brincar de bonecas. Isso já na Rua Tavares Bastos, depois que saímos da querida Rua da Ponte.

É fato. Até meus 17 anos eu ainda brincava de bonecas e tinha meus brinquedos de casinha, diferente das meninas de hoje, que muito cedo largam os sonhos infantis. Fazíamos gostosas paneladas: isto é, minhas amigas cozinhavam, já que desde menina nunca tive apreço por essa arte. 

Brincávamos de ‘cozinhado’ no quintal das amigas; andava nas bicicletas empestadas delas, porque nunca possui uma, naquela época de sonhos, embora desejasse muito. E para me desviar dos desejos de consumo da adolescência, papai dizia que quando eu completasse 18 anos eu teria um carro. 

Hoje acho tudo muito engraçado. Doce ilusão. Seu João era uma pessoa linda; amo-o tanto e ainda tenho tanta saudade, que às vezes esqueço que todos nós temos que morrer algum dia e que se ele tivesse nesse plano ainda estaria mais debilitado do que já estava.

Aos 96 anos, a não ser que se tenha saúde de ferro, não é possível estar bem, principalmente para um portador de ataxia, que não chega a tanto. Mas lembrar do meu pai e da minha mãe também, da fortaleza que ela tinha, me dá mais estímulo para continuar na luta. 

A continuar perseverando até quando Deus quiser. Sei que não tenho muito tempo pela frente, minha estada por aqui será mais curta ainda, mas antes de partir para o encontro final eu quero ainda fazer muitas coisas, escrever sobre a vida, falar sobre poesia; ler muito e deixar um legado para os meus sobrinhos e sobrinhos-netos, já que não pari descendentes.

Quero deixar uma mensagem de alegria, de muito bem querer, desejar que eles aproveitem o que a vida tem de melhor e mais importante para oferecer e ter esperança por dias melhores, mesmo estando muito difícil a gente vislumbrar no país atualmente momentos de lucidez, com tudo isso que está passando na política brasileira. 

Mas apesar de avaliar como importante para todo cidadão consciente conhecer todos os meandros da política e ter boa informação, avalio hoje não é só disso que se vive e estou aprendendo a me reinventar e colocar mais suavidade na vida. Bom dia.  

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