Por Olívia de Cássia
O tempo fechou no Centro de Maceió e vai chover. Parece que
um toró daqueles se aproxima da costa; o céu escureceu e o calor é
insuportável. Malu aproveita para tirar uma sesta no degrau da escada; os gatos
estão dormindo nos degraus acima.
Otto está lá no lugar dele, de gravatinha e tudo, esperando
um afago meu, para tirar mais uma selfie. São meus filhotes, meus queridos
amores. Me arrisco a adotar outro bebê de quatro patas miniatura que chega
hoje, para preencher meus dias incertos.
Sei que vou enfrentar algumas críticas: “Pra que outro
animal aí”. Não sei; me apaixonei pelo Juca. Posso não ser uma boa companhia na
atual conjuntura. A rabugice da idade e as manias que eu tenho podem não fazer
bem a quem quer se aproximar, mas procuro suavizar uma pouco, para não me
tornar insuportável.
Não quero ser uma velha cheia de preconceitos, atrasada e
caduca; procuro me reciclar, apesar das limitações financeiras e físicas. Pelo
menos isso de bom a rebeldia da adolescência me trouxe. Quero tornar meus dias
por aqui melhores e mais estimulantes.
Com o afastamento do trabalho, por motivos de saúde, estou
procurando focar minha vida em fisioterapia, leituras, caminhadas, mas preciso
encontrar um norte, uma ocupação, diversão, para não atrofiar de vez e ocupar meu
tempo.
Para quem estava acostumada a sair de casa para trabalhar os
três horários, se ver de repente em casa, muda tudo: sua rotina, o tempo e o
repensar a vida, de forma que esse repensar também não se torne um fator
angustiante. Mas parece que a ficha não caiu de todo para muita coisa na vida
ainda.
Tento encontrar respostas para algumas perguntas que surgem
no meu interior, mas como elas não vêm, estou procurando me adaptar à nova vida
de quase deficiente, acometida de uma doença neurológica, degenerativa e progressiva.
Situações imprevistas que podem acontecer com qualquer pessoa; não foi só
comigo, eu sei.
Mas ainda tenho tempo de pensar e acreditar que posso lutar
para ter melhor qualidade de vida e vou lutar por isso; seja lá o que Deus
quiser. Não encontro resposta para minhas indagações; não tenho perspectivas de
cura, sei disso, mas os tratamentos paliativos que eu puder fazer, vou
enfrentar, até o fim, até quando for possível fazer.
Fiquei muito impressionada na semana passada com uma visita
que fiz a umas primas, em União, e as encontrei agressivamente já em estado
avançado da ataxia e fiquei me perguntando se nossa família merece passar por
tudo isso.
Tentei subir em uma cadeira esta semana, para pegar um
objeto em cima da estante e senti minhas forças diminuídas, não posso mais
fazer certos esforços físicos; não tenho equilíbrio e minha coordenação motora
começa a ficar comprometida.
Não quero chegar àquele estágio final, de dependência
absoluta de terceiros, até para fazer a higiene pessoal e outras tarefas
íntimas. É tudo muito constrangedor. A ataxia é um transtorno neurológico
caracterizado pela falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e
de equilíbrio.
É normalmente
associada a uma degeneração ou bloqueio de áreas específicas do cérebro e
cerebelo, mas no nosso caso não afeta a memória. Ainda bem, que pelo menos isso
ainda posso fazer. Pensar, escrever, ler e ver a vida. Por enquanto. É quase
noite; boa tarde.
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