sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A infância

Olívia de Cássia - Jornalista

Minha mãe se preocupava com a quantidade de piolhos que eu adquiria na escola, pois, da mesma forma que meu cabelo era muito grande, abaixo da cintura, ficava difícil dizimar aquelas criaturas. Eu morria de vergonha quando sentava em algum lugar que caía um piolho. Mamãe colocava Baygon, álcool e amarrava minha cabeça com um pano branco, para matar os miseráveis.

Depois fazia uma verdadeira sessão de catação, com o pente fino, para tirar aquelas criaturas nojentas, que estavam mortas. Eu não entendia o motivo de eu pegar tanto piolho, já que tomava tanto banho e mamãe tinha tanto cuidado com a nossa higiene, mas com tanto aglomerado e sentando com outros coleguinhas nas bancas escolares ficava fácil a transmissão.

Nas passeatas comemorativas à Emancipação Política de União dos Palmares fui escalada para sair de baliza, por quatro vezes, representando a escola, o que me rendeu de Antônio Matias a alcunha de “Baliza”.

E toda vez que eu passava em frente a casa dele, ele gritava: “Baliza!”. Eu não acredito que eu tivesse desenvoltura, nem beleza, como eu via nas minhas amigas, além de ser muito pequena, para sair de pelotão em frente às bandas de fanfarra. Eu era muito sem jeito e dava meus tropeços, mas dona Lalinha ia lá em casa pedir a mamãe e ela deixava eu desfilar, ainda agora não entendo o motivo.

Além dessas participações em frente às bandas de fanfarra das escolas, fui porta-aliança  de quatro casamentos na cidade: o de meu tio Antônio com tia Hermínia (eu e a prima Rita), o de dona Carminha Leão e Anselmo, o Nininho (novamente a mesma dupla),  o de tia Renalva com Zequinha (idem),  além de ter sido, também, dama de outra moça da rua do Jatobá, que já não lembro mais quem foi.

Eu sempre fui muito desajeitada, atrapalhada, desastrada e quando estava aprendendo a andar de bicicleta, caía muito. Quando Rosemary Veras ganhou sua primeira Monark eu pedi emprestado para dar uma voltinha. Era nova em folha, vermelha, e fui andar na rua do “Cangote”. 

Mas para desviar de uma carroça, fiz uma manobra tão maluca que levei uma bruta queda, me arranhei toda, amassei e empenei o novo brinquedo de Mary. Coitada da minha amiga, não sei  qual  foi a desculpa que deu quando chegou em casa com  sua bicicleta  toda destroçada.

Minhas traquinagens de criança arteira chegavam ao fim quando mamãe descobria que eu estava tomando banho no Rio Mundaú, quase ao meio dia, com minhas amigas de infância, Maria José e Marisa, irmãs por parte de pai de Quitério Matias.

Levava umas boas sovas com o cinturão de meu pai, que mamãe guardava atrás da porta do quarto.  E assim eu ia desobedecendo às ordens da minha mãe, ao contrário do meu irmão Petrônio, que era sempre muito obediente e terminou sendo chamado por nós, os outros filhos, de o “queridinho da mamãe”.

Nas festas de Santa Maria Madalena papai, que era devoto fervoroso da santa, nos levava ou ia às nove noites para o evento. Era quando a gente cometia os excessos: da gula, com os tira-gostos que mamãe fazia, e tomávamos bastante refrigerantes, além de comer pipoca, amendoim e tudo o que pudéssemos consumir, além das voltinhas na roda-gigante, corrida nos barcos, que faziam parte das nossas pequenas realizações infantis.

Nossa casa ficava cheia de visitas, dos parentes e dos amigos dos meus pais. Eu ficava contente porque sabia que mamãe não ia nos bater, caso cometêssemos algum deslize, e que ela ia preparar comidas diferentes. Eu sempre fui muito comilona.

Mamãe nunca teve problema com a  minha alimentação, porque sempre comi de tudo. Mas quando eu adoecia, não queria comer nada e mamãe me adulava, oferecendo as comidas que eu mais gostava. Se eu ficasse sem comer, era porque não estava bem, era o primeiro sinal de que estava doente.

Meu padrinho Durval Vieira ia me buscar, todos os domingos, na Rua da Ponte, para passear de jipe. Íamos para a fazenda Sete Léguas, de propriedade dele, onde comíamos muitas frutas e tomávamos banho no açude.

Na Semana Santa, meu padrinho mandava represar o açude que transbordava de tão cheio, para que fosse feita a pescaria. Entrávamos ali, eu e Luciana, sobrinha de madrinha Nenzinha, esposa de padrinho Durval, junto com os empregados do sítio, para observarmos os peixes que eram pescados.

Eu adorava aqueles passeios com o meu padrinho, que só me trazia para casa na hora do almoço. 
Tinha muita afeição por ele e por minha madrinha Nenzinha que ainda vive em União. Mas quando ele morreu,  não fui ao seu enterro, porque mamãe estava de mal comigo e achei por bem não ir à cidade naquele dia.

Minha avó e meu pai queriam que eu seguisse a carreira religiosa e me tornasse feira. Eu dizia para minha avó que nunca iria me casar e que adotaria uma criança, quando ficasse mais velha. Eu sempre repetia isso: que não queria ter filhos porque tinha medo de parir.

Dizia também que não queria casar porque, logo cedo, desenvolvi uma aversão pela instituição oficial do casamento, como se eu já estivesse prevendo o que iria me acontecer no futuro. Eu não queria, assim como muitos membros da minha família, casar apenas por casar, por uma obrigação, ou por determinação dos meus pais.

Eu ouvia muitas histórias de primas e primos que tinham se casado porque os pais os obrigaram, ou para não ficarem solteiros. Eu queria me unir com alguém que gostasse de mim, que me amasse, pois sempre fui muito sonhadora e utópica, talvez influenciada pelos livros que lia e pelas novelas que eu assistia.

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