quinta-feira, 1 de julho de 2010



A vida de Maria

Olívia de Cássia – jornalista

Ontem, no ônibus que me levaria até o jornal Tribuna Independente, fui pensando numa história para escrever. Comecei a construir a história de Maria, das muitas mulheres chamadas Maria que existem por aí a fora. Essa Maria da minha história é um misto de todas elas. Das que sofrem mais ou daquelas que conseguiram se estabilizar na vida.
Maria é uma daquelas moças do interior, criada com toda a educação e carinho e com os rigores que os tempos antigos exigiam para a formação de uma mulher. Casou virgem e conheceu Abelardo numa das festas da cidade. Ficou encantada com aquele moço bonito, peitoral largo, olhos profundos, viajado e muito matreiro.
Maria logo se apaixonou por aquele Abelardo. Começaram a se conhecer, a conversar sobre a vida, sobre música, literatura, poesia e pintura. Ela apreciava as artes e com a sua formação de professora começou a lecionar em uma das escolinhas do município.
Mas a família de Maria logo se colocou contra esse namoro e ela viu sua vida transformada: começou a ser vigiada dia e noite para que não caísse na besteira de cair na conversa de Abelardo e a ele se entregar, como se dizia antigamente. E quanto mais Maria era perseguida e observada, mas crescia o seu amor por Abelardo e a aversão pelas atitudes de seus familiares.
Um dia resolveu realizar o seu sonho de viver com seu príncipe encantado e provocou a ira, decepção e aversão de todos os seus familiares. Mas Maria queria seguir seu destino, dele ninguém foge; ninguém se livra. Ela e Abelardo casaram e logo de imediato ela percebeu que ele não era a pessoa com quem sonhava viver a vida inteira.
Nos primeiros meses de sua gravidez ela se viu sozinha. Ele saía na calada da noite e ia ter com amigos e mulheres, em lugares nem sempre bem recomendados de União dos Palmares. E Maria chorava todo o seu desencanto, sozinha, sem ter com quem desabafar e com quem falar de todas as suas amarguras, sonhos desfeitos e arrependimento.
Por que não escutara os mais velhos e mais sábios? Por que não procurou conhecer melhor aquele homem por quem se encantara de imediato e entregara toda a sua pureza, toda a sua vida?
Agora estava grávida; grávida de uma menina que poderia ou não ter o seu mesmo destino, mas não era isso que sonhara a vida inteira. Maria começou a rememorar os belos dias da sua infância; os dias livres no campo, os passeios no fim da tarde com seu pai, a família unida que tinha e de repente sentiu saudade daquela infância distante, dias que não mais voltariam.
Abelardo não tinha emprego certo, vivia de bicos e ainda reclamava quando Maria chegava tarde da escola onde trabalhava. Era ela quem supria a casa do principal e nem assim ele era compreensivo. Tornou-se um homem rude, ignorante, preconceituoso. Vivia a dar ouvidos às conversas que escutava na rua e não dava importância ao trabalho da sua mulher.
Numa das farras, Abelardo bebeu muito, perdeu a conta de seu limite e saiu em alta velocidade no carro emprestado de um amigo, acompanhado de uma garota de programa. Não viu uma carreta que vinha em contramão e bateu de frente.
Abelardo e a mulher morreram na hora e seus corpos foram esmagados ficando quase irreconhecíveis. Triste fim de Abelardo por causa da sua irresponsabilidade. Não conheceu a filha que estava prestes a nascer e quase matou Maria, que quando soube da notícia correu o risco de perder a criança. Ficou em pânico, em estado de choque por vários dias.
Quando Maria saiu do hospital, faltava apenas um mês para sua filha nascer. A filha que a faria companhia pro resto da vida e que teria um futuro bem melhor, disso ela tinha certeza. Desse dia em diante, ela resolveu enfrentar a vida de peito aberto, por Maria Clara, que nasceria com saúde e pesando quatro quilos e meio na Maternidade Santa Catarina, do Hospital São Vicente, em União dos Palmares, no ano de 1975.

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