Por Olívia de Cássia
Peço a Deus em pensamentos que me dê fé e forças, qualidade de vida e retardamento dos efeitos da ataxia. Sou muito cética diante da vida e já não acredito em ilusões. Hoje em dia perdi um pouco a capacidade de sonhar aqueles sonhos que sonhava na juventude.
Não sou muito de rezar como meu pai fazia sempre e depois também a minha mãe, mas tem dias que parece ser mais difícil a labuta. De repente a gente se vê de pés e mãos atadas diante de uma situação mais prática. "Sem lenço de sem documento", como disse Caetano.
A Doença de Machado Joseph é uma ataxia hereditária dominante e degenerativa, identificada há apenas 18 anos, transmitida em 50% dos casos dos portadores, e que conduz o paciente por uma crescente incapacidade motora, sem alterar o intelecto, culminando com sua morte. Tento não pensar que esse dia está chegando mais rápido.
A característica genética de cada um faz com que os tratamentos sejam praticamente individualizados. Segundo os especialistas, para garantir a qualidade de vida, sempre se trabalha a funcionalidade e continuidade do movimento, de preferência com uma equipe multidisciplinar liderada pelo neurologista, que, no fim das contas, é quem dita a linha do tratamento.
Ouço notícias ruins todos os dias, de todos os lados e é impossível não me envolver e fingir que está tudo às mil maravilhas. Por mais que se tenha alguma expectativa de vida, não tem notícias de cura para o nosso problema. A ataxia não tem cura ainda.
Por outro lado, a intolerância que a gente vê todos os dias na televisão e nas redes sociais é absurda e nos deixa perplexa como esses atentados mundo afora. E nosso país está vivendo sua pior crise de identidade moral e política.
Aqueles que foram às ruas pedir a saída da presidente Dilma estão calados e omissos diante desse governo interino golpista. Tento ser otimista, porque o pessimismo só nos leva a um abismo maior, mas está difícil conviver com tudo isso. Tudo junto sufoca a gente.
Não é só o pessoal, é tudo junto e misturado que nos faz introspectivos a cada dia. Procuro me acercar de tudo o que tem de melhor, ser positiva, conviver com pessoas do bem e fazer boas leituras, participar de programações interessantes, mas até isso fica limitado.
Queria ter mais recurso, já que agora tenho todo o tempo para ir às atividades culturais que sempre me ressenti de não poder participar antigamente. Ainda estou tentando me acostumar com a nova rotina. Mas de repente percebo que não é só uma questão de tempo. É muito mais que isso. Não quero ficar apática diante de tudo.
Quero continuar a ser uma pessoa pensante e consciente do que se passa à minha frente. As questões de saúde não podem me tornar uma pessoa isolada e sem questionamentos. Pelo contrário: quero não ter medo de ter medo e não ter medo mesmo.
Quanto mais eu tenho tempo, mas eu penso nas injustiças e na violência que se comete todos os dias contra os mais vulneráveis. O mundo está mais feio; as pessoas estão mais preconceituosas, intolerantes, estão regredindo e esquecendo de sonhar: só pensem no poder e no dinheiro.
Isso não quer dizer que eu seja tão pura ao ponto de querer viver franciscanamente, pois o dinheiro serve para suprir as necessidades básicas, para a diversão e para a cultura e isso para mim é o bastante, se eu pudesse ter. Mas não quero viver na neurose de querer ter tudo.
Vejo gente jovem que não sonha mais, não tem aquele brilho nos olhos que nos tornava exóticos e interessantes na mocidade e isso me deixa um tanto quanto pensativa. O que será dessas pessoas que não têm sonhos e ideais? Para refletirmos hoje. Boa tarde.
terça-feira, 21 de junho de 2016
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