domingo, 5 de junho de 2016

Desde quando a mortalidade nos torna lúcidos?

Por Olívia de Cássia

De um tempo para cá venho pensando nesse tema que não é muito comum e nem suave. Hoje vou falar de um assunto que muita gente não gosta e evita falar, mas que é o caminho de todos nós: a morte dos seres humanos. É questão bastante discutida pela filosofia no mundo.

Segundo o teólogo Leonardo Boff, "tudo ocorre dentro de um imenso processo de evolução. Nesse processo tudo vem regido pelo equilíbrio entre a vida e a morte. A morte não vem de fora. Ela se encontra instalada dentro de cada ser", explica.

Já Simone de Beauvoir (1908-1986), em seu romance "Todos os homens são mortais", de l946, demonstra o absurdo de uma vida mortal como a nossa ser imortalizada. E argumenta que esta condição seria um "inferno".

"Nada deste mundo satisfaz a estrutura do desejo que habita famintamente o ser humano insaciável", acrescenta Leonardo Boff. "De pouco valem os mil estratagemas de prolongamento da vida. Chega o momento em que, mesmo a pessoa mais velha do mundo, tem que morrer", acrescenta o teólogo.

"Apesar da discussão de que a morte traria ao homem um esclarecimento da sua condição, e que esta teria um impacto de como ele viveria o período, não é a garantia de que sua vida seria digamos "bem vivida" e compartilhada de forma pacífica e mais igualitária em relação aos seus pares", destaca.

Quando eu era adolescente costumava ir muito ao cemitério, em União dos Palmares, e ficava por lá horas a fio, sentada nas catacumbas dos meus familiares. Naquele lugar silencioso, onde só escutava o barulho de alguns insetos ou de pássaros, eu conversava e desabafava num monólogo existencial com meus entes queridos.

Falava dos meus pequenos problemas de adolescente e dos conflitos que vivenciava naquela época. Mas apesar desse costume, a prática foi minguando até que eu deixasse de ir a esse local. Eu também costumava frequentar a igreja e ia à missa todo fim de semana.

Na missa dos jovens eu cantava, participava e chorava muito. Hoje esse hábito quase não mais existe. Era uma menina com baixa autoestima e sentimental e há pouco tempo descobri outras pessoas que tiveram ou tinham essa mesma rotina de ir a cemitérios.

Talvez eu fizesse isso pela dor da perda dos meus avós e outros familiares; da extrema necessidade de ser ouvida e não encontrava guarida em algumas situações. Minha família, primos e parentes sempre foram cercados por tragédias e mortes, por motivo de cânceres ou de acidentes, o que me tornou um pouco cética diante da vida.

Na infância eu fui muito ligada aos meus avós e ao meu tio Antônio Paes de Siqueira e frequentava o engenho da Barriguda nas férias escolares. Sendo assim senti muito todas essas mortes que aconteceram na família desse meu tio, de forma muito frequente e trágicas, e isso me trouxe muito sofrimento e um certo amadurecimento diante desses assuntos.

Meu tio perdeu a primeira esposa dois filhos de acidente e quatro de câncer. Vendo umas entrevistas de filósofos na internet, o assunto me veio  á baila e resolvi falar um pouco sobre ele. Na minha modesta avaliação, morrer simplesmente não é doloroso, doloroso para mim é ficar dando trabalho a terceiros e sofrendo de algum mal incurável.

Por isso, tenho pedido a Deus, se me for de direito, que não me deixe ficar na dependência de outras pessoas, vegetando em cima de uma cama ou na cadeira de rodas, até que a morte chegue e me consuma o último instante.

Se eu tiver alguma dívida com o divino quero pagá-la, mas não dessa forma, embora eu saiba que não está em nossas mãos decidir. Dizem que ninguém morre antes da hora e que já está tudo determinado quando viemos ao mundo.

Nas religiões esse tema é visto de forma diferenciada. Pesquisei que para os muçulmanos, segundo a história, Alá (o seu Deus) criou o mundo e por essa razão trará de volta todos os mortos no último dia. Todos terão direito a um julgamento começará uma nova vida depois da avaliação divina.

Já o espiritismo, doutrina do século XIX criada pelo francês Alan Kardec, defende a continuação da vida após a morte num novo plano espiritual ou pela reencarnação num outro corpo. Esta doutrina acredita que podem ser invocados os espíritos dos mortos, pois após a morte física, o espírito ascende a uma outra realidade onde se aventura numa nova vida.

Como na Igreja Católica, os evangélicos acreditam que há um julgamento para a alma e que esse mesmo julgamento resulta na condenação (ida para o inferno) e ou na eternidade da alma (céu).

A diferença entre as duas religiões é que os evangélicos acreditam que a alma faz uma grande viagem e a ressurreição só acontecerá quando Jesus voltar à Terra, na chamada “Ressurreição dos Justos”, ou, então, aqueles que forem condenados ao Inferno terão uma nova oportunidade de ressurreição no “Julgamento Final”.

Os evangélicos sustentam que a morte física é resultado do pecado. Quando Deus criou o homem, não o fez para envelhecer, adoecer ou morrer, mas porque o homem optou por se afastar do criador, por renunciar os ensinamentos, acabou por escolher o caminho do pecado e da desobediência e consequentemente o caminho da morte.

A morte para os católicos vem com os conceitos de um céu, de um inferno e de um purgatório. A avaliação dos atos de cada um na sua vida terrena decide para qual destes lugares vai a alma repousar eternamente.

Ainda segundo a história, os católicos consideram que a alma é única e por essa razão não regressa reencarnada em outros corpos físicos. Para eles, os únicos princípios são o da imortalidade e da ressurreição e não o da reencarnação. Cada crença e cada religião tem o seu conceito a respeito da morte.

Às vezes quero acreditar em alguns preceitos religiosos, em outras situações, acho tudo lenda e literatura e lembro do que minha mãe dizia, que não acreditava em assombração e nem que os mortos pudessem voltar. Segundo ela, se fosse isso verdade, os entes queridos voltariam para dizer se era bom ou ruim a quem ficou na terra.

Dizem alguns filósofos que não importa na vida o tanto que se viveu, mas o legado que a pessoa deixou para os seus. Raimon Alves, em artigo publicado na mídia eletrônica, disse que qualquer que seja a duração de sua vida, ela é completa.

Segundo ele, a utilidade  da vida não reside na duração e sim no emprego que lhe dais. "Há quem vive muito e não viveu; meditai sobre isso enquanto o podes fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, todos vividos", observa.

Para Marcelo Galli, a morte é amedrontadora, mas motor da ação também e pode ser o elemento para enfrentar a vida de maneira filosófica. Já Márcia Tiburi, no seu "Filosofia em comum" (Editora Record, 2008), faz o seguinte questionamento acerca do tema: "Desde quando a mortalidade nos torna lúcidos? Ou ela nos torna cada vez mais irracionais e bárbaros em perpétua guerra de todos contra todos?", questiona.

Para refletir nessa noite de domingo e começo de uma nova semana. Boa noite.

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