sábado, 30 de abril de 2016

Convivendo com ataxia



Por Olívia de Cássia

Boa noite, diário, depois de algum tempo sem me comunicar com você, volto a interagir para falar de mim, do que se passa na minha cabecinha inquieta e de como estou vivendo.  Queria dizer que não estou passando um momento maravilhoso na vida, mas que estou tentando dar um novo significado a ela.

Conviver com ataxia não é fácil e só quem está passando por isso sabe o que digo. Ataxia é uma doença rara e hereditária, de fundo neurológico, causada por genes defeituosos que se transmitem de uma geração à seguinte.

Dizer que os primeiros sintomas são dificuldades com equilíbrio e coordenação, depois com a fala e deglutição, e, finalmente, problemas respiratórios.  Já fui aconselhada a procurar um fono. Diferente de algumas pessoas que têm o problema, eu sinto muitas dores nas pernas e enxaqueca crônica. 

Os portadores desse problema tornam-se  incapacitados, aos poucos,  e vêm a precisar da ajuda de outras pessoas. Enquanto o cérebro trabalha na velocidade normal, o corpo responde em câmara lenta. Ninguém conhece ainda a causa básica da doença, que não tem cura.

Por isso mesmo sabemos que vamos precisar de apoio e solidariedade, sem pieguice, de todos. A gente sabe disso, mas procuramos viver o que nos resta de maneira leve, embora muitos portadores da doença se tornem revoltados e chegam a cometer suicídio, como vários que aconteceram na minha família. 

Nasci e me criei na cidade de União dos Palmares, onde meu pai era comerciante e minha mãe uma dona de casa, vindos da roça, para tentar a vida no lugar, muito mais pela vontade e teimosia da minha mãe, porque se não fosse por ela, meu pai tinha continuado na roça. 

Meu pai se criou órfão de pai e de mãe, primo legítimo da minha mãe, e embora meu avô materno tenha sido senhor de engenho, acabou a vida sem nada, porque vendeu as terras a preço miúdo, para cuidar de sobrinhos órfãos. 

Meu avô Manoel Correia Paes e minha avó Olívia Maria Vieira de Siqueira, que quando casou passou a se chamar Olívia Maria de Siqueira Paes, criaram os filhos com muito sacrifício. Cresci ouvindo as histórias da minha família, cujos membros alguns tinham posse de terra e outros não. 

Aprendi com meu pai, minha mãe e meus avós que mais vale a gente deitar e dormir tranquilamente com a cabeça no travesseiro, do que viver com insônia por causa de coisa mal feita ou de dinheiro ilegal. Ensinamentos singelos, de pessoas simples, mas de caráter. 

Na minha família foram vários membros que tiveram ou ainda têm ataxia, porque estão vivos, segundo o relato de um familiar, já se foram quase 80 vítimas dessa doença, que era conhecida em nosso núcleo familiar como a maldição da família. 

Alguns tiveram fins trágicos e outros tiveram a sorte de ser acompanhados pelos familiares até o fim, como no caso do meu pai e meu irmão… Comecei a sentir os sintomas nem sei mais dizer quando foi e fui associando ao que meu pai viveu. 

Sei e tenho consciência das limitações que terei daqui por diante. Não é fácil sair de  casa sem companhia e de ônibus. Cada dia o transporte tem que ser o táxi e isso tudo encarece. O tratamento é paliativo, mas continuo na fisioterapia. 

Muitos médicos ainda não conhecem essa doença até às vezes nos descontrolamos quando começamos a fazer relatos e os médicos não conhecem ou dão outro diagnóstico. Mas só vim ter a comprovação médica, por meio do mapeamento genético este ano, com ajuda dos amigos, mesmo já sabendo qual seria o resultado. 

Quando comecei  a apresentar marcha cambaleante, desejava que as pessoas soubessem que não estava bêbada nem drogada, mesmo eu gostando de beber socialmente. Eu quero comandar os membros superiores ou inferiores, mas as pernas, principalmente, já não  obedecem à mensagem.

Mas como bem dizem alguns portadores “Ataxia não é coisa do outro mundo”. Isso ajuda a descontrair um pouco e lembro do meu pai que era um  homem engraçado e gostava de dizer emboladas, feito literatura de cordel. 

Estou procurando seguir os exemplos que seu João me deu e não vou decepciona-lo. Um homem de caráter, caridoso e sempre disposto a ajudar a quem era necessitado. Eu não me furto a falar do meu problema, diferente de alguns membros da minha família. 

Por qual motivo eu vou ter vergonha disso, se herdei e tenho que conviver com as limitações que vão surgindo e tentar sobreviver até quando Deus permitir. Dá para perceber que já não dá para acompanha as pessoas para alguns programas. 

Estou tentando ser positiva e encaminhar sempre uma mensagem de amor e paz. Não é fácil e não posso dizer que estou vivendo meus melhores dias, mas que ainda é possível acreditar em um mundo melhor, embora cada dia fique mais difícil. Boa noite.

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