Por Olívia de Cássia
Boa noite, diário, depois de algum tempo sem me comunicar
com você, volto a interagir para falar de mim, do que se passa na minha
cabecinha inquieta e de como estou vivendo. Queria dizer que não estou passando
um momento maravilhoso na vida, mas que estou tentando dar um novo significado
a ela.
Conviver com ataxia não é fácil e só quem está passando por
isso sabe o que digo. Ataxia é uma doença rara e hereditária, de fundo
neurológico, causada por genes defeituosos que se transmitem de uma geração à
seguinte.
Dizer que os primeiros sintomas são dificuldades com
equilíbrio e coordenação, depois com a fala e deglutição, e, finalmente, problemas
respiratórios. Já fui aconselhada a
procurar um fono. Diferente de algumas pessoas que têm o problema, eu sinto
muitas dores nas pernas e enxaqueca crônica.
Os portadores desse problema tornam-se incapacitados, aos poucos, e vêm a precisar da ajuda de outras pessoas.
Enquanto o cérebro trabalha na velocidade normal, o corpo responde em câmara
lenta. Ninguém conhece ainda a causa básica da doença, que não tem cura.
Por isso mesmo sabemos que vamos precisar de apoio e
solidariedade, sem pieguice, de todos. A gente sabe disso, mas procuramos viver
o que nos resta de maneira leve, embora muitos portadores da doença se tornem
revoltados e chegam a cometer suicídio, como vários que aconteceram na minha
família.
Nasci e me criei na cidade de União dos Palmares, onde meu
pai era comerciante e minha mãe uma dona de casa, vindos da roça, para tentar a
vida no lugar, muito mais pela vontade e teimosia da minha mãe, porque se não
fosse por ela, meu pai tinha continuado na roça.
Meu pai se criou órfão de pai e de mãe, primo legítimo da
minha mãe, e embora meu avô materno tenha sido senhor de engenho, acabou a vida
sem nada, porque vendeu as terras a preço miúdo, para cuidar de sobrinhos
órfãos.
Meu avô Manoel Correia Paes e minha avó Olívia Maria Vieira
de Siqueira, que quando casou passou a se chamar Olívia Maria de Siqueira Paes,
criaram os filhos com muito sacrifício. Cresci ouvindo as histórias da minha
família, cujos membros alguns tinham posse de terra e outros não.
Aprendi com meu pai, minha mãe e meus avós que mais vale a
gente deitar e dormir tranquilamente com a cabeça no travesseiro, do que viver
com insônia por causa de coisa mal feita ou de dinheiro ilegal. Ensinamentos
singelos, de pessoas simples, mas de caráter.
Na minha família foram vários membros que tiveram ou ainda
têm ataxia, porque estão vivos, segundo o relato de um familiar, já se foram
quase 80 vítimas dessa doença, que era conhecida em nosso núcleo familiar como
a maldição da família.
Alguns tiveram fins trágicos e outros tiveram a sorte de ser
acompanhados pelos familiares até o fim, como no caso do meu pai e meu irmão…
Comecei a sentir os sintomas nem sei mais dizer quando foi e fui associando ao
que meu pai viveu.
Sei e tenho consciência das limitações que terei daqui por
diante. Não é fácil sair de casa sem
companhia e de ônibus. Cada dia o transporte tem que ser o táxi e isso tudo
encarece. O tratamento é paliativo, mas continuo na fisioterapia.
Muitos médicos ainda não conhecem essa doença até às vezes
nos descontrolamos quando começamos a fazer relatos e os médicos não conhecem
ou dão outro diagnóstico. Mas só vim ter a comprovação médica, por meio do
mapeamento genético este ano, com ajuda dos amigos, mesmo já sabendo qual seria
o resultado.
Quando comecei a
apresentar marcha cambaleante, desejava que as pessoas soubessem que não estava
bêbada nem drogada, mesmo eu gostando de beber socialmente. Eu quero comandar
os membros superiores ou inferiores, mas as pernas, principalmente, já não obedecem à mensagem.
Mas como bem dizem alguns portadores “Ataxia não é coisa do
outro mundo”. Isso ajuda a descontrair um pouco e lembro do meu pai que era
um homem engraçado e gostava de dizer
emboladas, feito literatura de cordel.
Estou procurando seguir os exemplos que seu João me deu e
não vou decepciona-lo. Um homem de caráter, caridoso e sempre disposto a ajudar
a quem era necessitado. Eu não me furto a falar do meu problema, diferente de
alguns membros da minha família.
Por qual motivo eu vou ter vergonha disso, se herdei e tenho
que conviver com as limitações que vão surgindo e tentar sobreviver até quando
Deus permitir. Dá para perceber que já não dá para acompanha as pessoas para
alguns programas.
Estou tentando ser positiva e encaminhar sempre uma mensagem
de amor e paz. Não é fácil e não posso dizer que estou vivendo meus melhores
dias, mas que ainda é possível acreditar em um mundo melhor, embora cada dia
fique mais difícil. Boa noite.
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