Ricardo Mota (*)
Ora, ora, mas que bela surpresa! Eis que me aparece um nome novo no campo da biologia evolucionista: o cientista Robert Trivers, apresentado por ninguém menos do que Steven Pinker (quem não o conhece, não sabe o que está perdendo), afirma que a mentira faz parte do processo evolutivo da nossa espécie.
Exatamente! O autoengano, para quem preferir assim, nos põe no mundo do jeito que somos e a ele também devemos. Acreditar, contrariando qualquer lógica, que água com açúcar cura doença braba; que a outra banda do par é fiel quando os fatos gritam o contrário – tudo isso, diz Trivers, foi construído ao longo de algumas dezenas de milhares de anos em que o Homo sapiens (?) chegou fazendo barulho (e mentindo).
Não é de se comemorar? Não pela mentira em si, que não é lá uma grande qualidade humana, mas pelo fato de que sem ela dificilmente sobreviveríamos. Não faço apologia à dita cuja, mas não posso negá-la (trato, aqui, das pequenas mentiras) no cotidiano de todos nós. Se o fizesse, estaria mentindo.
Todo mundo, de alguma forma, “transforma” os fatos em seu favor: arredonda, aumenta, para que seja, ao final do enredo, um herói de ocasião, o melhor protagonista do que bem poderia ter acontecido.
É verdade que, às vezes, o exagero toma contorno de pura criação ficcional. Tenho um amigo querido que é mestre nessa arte (também). Ao longo de uma convivência de mais de trinta anos, flagrei-o por demais narrando uma ocorrência em que eu – e não ele, como estava afirmando – fui o personagem central. Lembro-lhe, então. Ele? Uma boa risada e dá o caso por encerrado.
Sempre tive uma curiosidade especial em relação aos mitômanos – os mentirosos compulsivos. Quem já conheceu de perto um desses espécimes sabe que eles em nada se esforçam para inventar uma história: simplesmente contam-na. Se desmascarados, apresentam a próxima mentira sem qualquer constrangimento. Porque acreditam no que estão dizendo.
E cá para nós: como é fácil descobrir quando os nossos filhos estão mentindo! Por um motivo cristalino – também mentimos para os nossos pais. Não que devamos celebrar o processo de embromação – voltaríamos totalmente para o autoengano. Eles precisam, aqui e ali, ser “desmascarados”, e acredito mesmo que isso faz parte do processo educativo (nós necessitamos, de quando em vez, de uma autorrepreensão também). Mas nada de condenação à prisão perpétua. Quem somos nós se não autores igualmente de algumas versões discutíveis?
Há, é claro, as grandes mentiras. Por exemplo: por mais de mil anos a humanidade acreditou que o Sol girava em torno da Terra. Afinal, o grande Aristóteles o dizia na sua nada vã filosofia. E quanto mais avançava no tempo, mais mentirosos sua teoria atraía. Por ela, tantos morreram condenados ao fogo do inferno bem antes que lá chegassem.
Não, eu não acredito que a mentira é a verdade que não deu certo. Mais errado seria, porém, imaginar que o mundo poderia sobreviver sem a presença de qualquer uma delas – gêmeas que são numa mesma existência. (Blog do jornalista Ricardo Mota no site Tudo na Hora)
http://blog.tudonahora.com.br/ricardomota/
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
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