sábado, 24 de setembro de 2016

Quando o ter vale mais

Por Olívia de Cássia

Desde que tive consciência da minha existência terrena, ou como dizem no popular, que eu me entendo por gente, que observo as desigualdades na sociedade. Na infância nunca passei fome, mas ouvia os relatos dos meus pais a respeito de exemplos de quando moravam na roça.

Nasci em União dos Palmares, numa comunidade que antes era referência de entrada na cidade, quando as estradas de acesso à comunidade eram muito ruins e de barro. Era pela Rua da Ponte que passavam ônibus interestaduais, mercadorias e por onde o trânsito fluía para a capital, mesmo que de forma rude.

Depois que construíram a BR 104, o local passou a ser periferia e eu já não morava lá, mas estava sempre no local, pois meu pai continuou com a mercearia e o armazém que nos deu o sustento até a sua aposentadoria e da minha mãe, e meus avós moraram por lá até meus 14 anos.

A saudosa Rua da Ponte me serviu de laboratório para meus escritos. Lá moravam, desde pessoas da classe média remediada, até o mais carente e disso tudo tive muitos exemplos. Naquela época os relacionamentos eram mais fraternos; um ajudava o outro e éramos uma família.

Com o tempo a situação foi se modificando, a violência foi chegando e não foi diferente com o resto do país. A escolas sempre esteve presente em minha vida de uma maneira muito forte.

Eu era aplicada, mas sempre tive dificuldade com os números, principalmente depois de uma 'bela surra' que levei ao tirar nova vermelha na matéria. Não sei se pelos exemplos familiares, mas sempre valorizei as minhas amizades e o ser, antes do ter.

Meu avô Manoel Correia Paes vendeu o pequeno engenho, o Mucuri, para cuidar de sobrinhos órfãos, quando o irmão faleceu. Ele e minha avó Olívia Vieira de Siqueira, de quem herdei o primeiro nome, venderam as terras, que não tinham muito valor naquela época.

As poucas posses foram vendidas a preço miúdo para que fosse possível o sustento deles. Meus avós permaneceram na roça, até que meus tios, que já estavam residindo no Rio de Janeiro, trouxeram eles para União dos Palmares e passaram a morar numa casinha bem simples, na Rua da Ponte.

Meus avós eram iletrados, mas vovô adorava literatura de cordel e me pedia para ler e contar aquelas histórias que envolviam Lampião e o cangaço e o padre Cícero, quase sempre. Passaram a viver do passado e a nos relatar as histórias da família.

Aprendi com eles que família a gente não escolhe e muitos deles aprendemos a amar mesmo com todos os defeitos e erros, mas os amigos a gente pode escolher e aprender a amar, saber que pode contar muitas vezes mais com eles ou sempre com eles, prontos a nos ajudarem a qualquer hora.

Num mundo onde o ter passou a valer mais que o ser, fui entendendo com os anos passados e as experiências vividas, a valorizar as pessoas e perceber que o que vale nelas não é o tanto de posses que têm.

Sou uma sonhadora, admito, mas não sou a única, como disse John Lennon. E por conta da minha maneira de pensar já atravessei moinhos de vento.

Fazendo uma releitura de tudo, naquela época os preconceitos até eram admitidos, tal o atraso social em que o País vivia; assim entendíamos, mas agora? Em pleno século 21?

De uns tempos para cá nosso país deu uma reviravolta em tudo, em todos os aspectos e a sociedade regrediu de um jeito espantoso e inacreditável. Eu costumava dizer brincando aos meus pais que se vivesse à época da inquisição que teria acontecido comigo o mesmo que aconteceu com Joana D'Arc.

Mas parece até que estamos regredindo à Idade Média ou à Idade da Pedra Lascada, tal o retrocesso dos dias atuais. Uma sociedade que elogia figuras como Eduardo Cunha e outrosassemelhados que seguem a mesma linha, pelas suas práticas e crenças, vai dar em quê? Como acreditar no ser humano?

O primitivismo observado em algumas camadas da sociedade impressiona, pois quanto mais se observa o grau de acumulação de bens, mais atraso se percebe com relação às questões sociais, guardadas as devidas proporções.

Me limito a falar aqui, meu querido Diário, da minha decepção com alguns 'seres humanos'; talvez seja por isso que cada dia me apego ainda mais aos meus filhotes de quatro patas. Acho que eles são menos irracionais do que profetizam.

Como dizer que são racionais e humanos, lideranças que fomentam a guerra entre países e colocam os mais humildes no from do combate, enquanto eles ficam encastelados usufruindo do melhor?

Segundo um texto que li na internet sobre essa temática, "as ações excessivas do homem, dito civilizado, fazem parte de um contexto mais complexo da sociedade em que vive. Mesmo em países considerados de Primeiro Mundo, com educação primordial, encontram-se notícias de atos irracionais praticados por seus habitantes".

Para citar um exemplo, no Brasil e em nosso Estado, a violência campeia e o cidadão se enclausura em muros de concreto a sete chaves, com medo de ser assaltado e violentado. Corriqueiramente, moradores fecham suas ruas, com medo de assaltos e de serem violentados.

A impunidade reina aqui e alhures, quando se trata de punição para quem cometeu a violência se seu poder aquisitivo é considerável e tiver dinheiro para pagar um bom advogado. Do contrário, muitas vezes o apenado se torna mais perigoso ainda, ou morre dentro do próprio sistema prisional, sem que o inquérito policial seja concluído.

Falta políticas públicas de educação, antes de se construir mais presídios e de se condenar apenas os meliantes menos favorecidos."Independente das causas sociais, no Brasil está faltando punição exemplar aos agentes criminosos para que a banalização criminal não continue se tornando um fato cotidiano, segundo o advogado Júlio César Cardoso.

Para ele, a raiz do problema está na cúpula político-governamental que não investe maciçamente em educação pública de alta qualidade para nivelar todos - brancos, pardos, negros, índios, para poderem disputar o mercado de trabalho.

Não querendo isentar os erros cometidos por algumas figuras, nos governos Lula-Dilma, os brasileiros mais carentes tiveram esperança e oportunidade de cursar uma universidade, tiveram boas escolhas para fazer.

Agora o país está caminhando para um abismo, cujo fundo do poço não é possível avistar, se continuarem essas medidas desse governo ilegítimo e sem credibilidade nenhuma perante nós e a comunidade internacional. Para refletir faltando poucos dias para a eleição municipal, em que serão eleitos prefeitos e vereadores.

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