quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Lá vem o trem...


Por Olívia de Cássia

Lá vem o trem, deslizando nos trilhos, com a sua canção. É música para os meus ouvidos esse ritual de todos os dias, em horários distintos. Lá fora o dia está nublado, anunciando chuva fina, que vai e vem. Por outro lado, meu corpo reclama dessa mudança constante do tempo, em respostas, que põem para fora a fragilidade da saúde.

Juca, vestido com a camisa do seu time preferido, comemora a vitória do Mengão e se impacienta querendo passear. Os gatos deitam na mesa ao redor de mim, esperando uma carícia. São doces esses meus filhotes, leais e companheiros de todas as horas.

Alguns me chamam de louca, mas ai de mim se não fosse um pouco dessa doce loucura, que alivia as dores da alma. Dores nem sempre visíveis, porque não são externadas e ninguém percebe, ou se percebe, finge que não vê.

Eu não dou trela para essas picuinhas da alma, ou parta os sintomas da Ataxia, pois passei a vida inteira me vitimando, me achando a pior das piores. Adotei a conduta bem-humorada e positiva do meu pai que viveu 14 anos acamado, em consequência de sintomas da DMJ.

E nesse novo modo de viver a vida, de encarar os fatos, sempre de maneira suave, é onde encontro paz de espírito e calmaria na alma. Não adianta mais, nem nunca, a gente reclamar da sorte.

Devemos lutar para mudar alguns rumos que a vida está nos levando e se não conseguirmos, vamos substituir aquela meta por outras. É assim que tenho feito, sem ser hipócrita ao ponto de viver no mundo irreal.

Mas é dessa forma que estou procurando viver: aproveitando cada momento possível, sem culpa e sem desespero, apesar da crise e do caos que o Brasil está vivendo e sem esquecer da conjuntura.

Amanheceu mais um dia. Tampo de agradecer a Deus ou seja lá quem tenha dado essa permissão. É tempo de ser feliz, independente de tudo que me trouxe mais experiência e maturidade.

As vivências e pensamentos de hoje, são fruto de todo esse amadurecimento que veio com a idade e as topadas dadas na vida. Para a escritora Marina Colasanti, uma das minhas preferidas na adolescência, em , A nova mulher, a independência conquistada vale a pena,, embora que seja com muito sofrimento, às vezes, contrário a tudo aquilo que achavam que era o ideal para uma mocinha de classe média.
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Desde a mais tenra idade, aprendi a lutar por aquilo que queria: “Eu ainda não estava na faculdade, e já pensava nisso, em como e quando ia sair pela vida carregando meu próprio corpinho”, diz Colasanti, confirmando minhas teorias.

Não era costume, como escreve a autora, “não ficava bem uma moça de família pensar em independência. Certo era casar cedo e definitivamente, ingressando na única profissão digna de uma mulher, louvável carreira de esposa e mãe”, e essa carreira eu não pensava para mim, tanto que nunca fui de me aventurar em tarefas domésticas, ou nos bordados que mamãe fazia.

Mas essa é outra parte da história que hoje me faz falta, nessa minha fase da vida de aposentada por invalidez, procurando preencher todo o meu tempo com tarefas e situações positivas de aprendizado e conhecimento.

Ainda hoje a independência e o empoderamento das mulheres assustam a quem pensa diferente. E me vem a lembrança do pensamento da minha saudosa mãe, sábia, que já naquele tempo, não queria me ver casada e admirava a “alegria e a liberdade” dos artistas de televisão: “Esses é que são felizes”, dizia ela.

Independência não é sinônimo de solidão. Adoro ficar no meu canto, na companhia dos meus animais, dos meus livros e aprendendo muito mais com minhas aulas on line de fotografia.

"Tu vive sozinha, mulher, é ruim morar sozinha, não tem família em casa?”, me pergunta a todo instante a minha tia Zefinha, acometida do Mal de Alzhimer e inconformada com isso. E eu digo a ela que amo morar com meus filhotes e que sou feliz assim. Bom dia.

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