Olivia de Cássia Cerqueira
O sol escaldante do Nordeste do Brasil, nas grotas do engenho
da Barriguda, no Cafuxi, Amolar, Baixa Seca, Jitirana e proximidades de União
dos Palmares, nos anos 30; 40, 50, 60, 70 do século XX, não impedia que os
trabalhadores rurais fossem para a lida do campo, submetidos ao contato com
animais e plantas que podiam dar origem a doenças; uso indiscriminado de
defensivos agrícolas; condições primitivas de vida; sem higiene ou saúde e
educação, sem equipamentos de proteção, entre outros problemas.
Muitos eventos marcaram essas décadas no Brasil, entre eles:
a extinção da República Oligárquica ou “República Velha”; a política do café
com leite e o coronelismo. A criação da Aliança Liberal, que incluía os
governos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba (Anos 30*). Os
trabalhadores, também na década de 30, iam para a lida diária, em regime
semelhante ao de escravos essas práticas perduraram por muitas décadas.
E foi nesse ambiente que viveram Salomão Celestino e Carmem
Celestino, que já tinham dez filhos, a maioria de mulheres. Carmem estava
grávida e teve complicações na gravidez: estava de nove meses e o casal
solicitou formalmente ao dono da fazenda, Sr. Israel, e à sua esposa,
Sra. Guilhermina, para serem padrinhos da criança, costume adotado por
pessoas mais simples na época.
Sentindo as dores do parto no meio do mato, Carmem avisou a
Salomão que era chegada a hora de o bebê nascer. Ele correu para chamar dona
Zefa, a parteira da região, e foram para o rancho onde viviam. Mas assim que
pariu uma menina, Carmem faleceu: não resistiu às dificuldades do parto, Salomão
chamou a menina de Amaralinda, atendendo um desejo da esposa, que dizia, se a
criança fosse mulher daria esse nome e se fosse um cabra macho seria Amaro.
Com tantas dificuldades para criar os filhos e tendo os
padrinhos e donos da fazenda insistido para criarem a menina, Salomão cedeu
Amaralinda, objetivando que vivesse com mais conforto. Os fazendeiros já tinham
seis filhos: dois homens e quatro mulheres, que ficaram enciumados com a nova
irmã e passaram a hostilizá-la.
Com o passar do tempo, a menina passou a ser tratada como se
fosse escrava da fazenda: lavando roupas no rio, com trouxa de roupa na cabeça,
num sol escaldante do Nordeste, além de cuidar de toda a casa grande; apanhar
bastante de Guilhermina e dos demais ocupantes da casa grande. José Vaqueiro
trabalhava próximo da família e percebeu os maus tratos que Amaralinda sofria.
Observando-a de longe, encantou-se pela cabrocha, que foi crescendo com toda
mágoa e sofrimento, dos pais adotivos e familiares.
Os maus tratos continuavam e Israel vigiava para não falar com
José, pois o namoro continuava as escondidas e Amaralinda apanhava daqueles
que Salomão julgava que melhorariam sua
vida.
Depois de tentativas, sem resultado, o vaqueiro resolveu
falar com Israel sobre o namoro, e o pai adotivo de Amaralinda ficou irritado,
castigando a menina, para não colocar a cabeça na porta da casa, quando
chegasse alguém.
Guilhermina, por sua
vez, aproveitou a oportunidade para espancar ainda mais a moça. Como se não quisesse se desfazer da “faz tudo”,
descarregou toda a sua raiva, de uma forma que José saiu de perto para não
piorar a situação da amada.
O sol ia baixando, e nuvens pesadas anunciavam chuva. E
choveu cântaros, parecendo que não parava mais. Sofrendo muito e passado algum tempo,
Amaralinda se viu grávida e pensava como iria ser, quando o padrinho e pai de
criação descobrisse a gravidez. Se preocupava mais com a reação dele do que com
a de Salomão, seu pai biológico.
Sabendo da situação de Amaralinda, Israel expulsou a menina
de casa. Diante disso, Zé Vaqueiro fez uma última tentativa, pedindo Amaralina
em casamento, no que Israel respondeu com arrogância: “O máximo que vocês podem
fazer é se amigar.
E o que você vai ser aqui é meu trabalhador, na palha da cana”.
Nesse instante, Israel jogou a braça* aos pés de José e ele mandou de
volta, dizendo: “morro na ponta do boi; mas não vou cortar cana para homem
nenhum. Minha sina é ser vaqueiro”.
Revoltada com o pai adotivo, Amaralinda também foi proibida
de passar nas terras da fazenda de Israel; desviava o trajeto, quando precisava
circular por perto dali. E assim passou a viver Amaralinda, até que chegou a
hora do parir.
Vivia numa choça coberta de palha, cedida por um morador da
região. Não tinha nada para a criança, muito menos móveis ou eletrodomésticos e
outros objetos para si. O que tinha em casa era um pouco de colorau, um pingo
de sal e outro de farinha.
Para matar a fome, ela improvisou uma vara de pescar e foi
para a beira de um pequeno riacho, tentar pegar algum peixe para matar a fome.
Quando foi saindo do local, as dores começaram e pensou que era chegada a hora
de o bebê vir ao mundo”. Ela estava só.
As dores do parto a atingiam em cheio. Agoniada, ela olhou
para um lado e outro, inexperiente com a situação. Pensou em colocar o orgulho
de lado e pedir misericórdia na fazenda de Israel, mas parou um pouco e voltou
para casa.
No outro dia, as dores voltaram mais fortes e aquela menina se
deitou em baixo de uma mangueira para descansar um pouco. Foi quando iam
passando dois trabalhadores e perguntaram o que ela estava sentindo e resolveram
avisar na fazenda de Israel.
Uma das mulheres da casa mandou providenciar um caminhão,
para encaminhar Amaralinda à maternidade de União dos Palmares, mas da mesma
forma que o caso era mais grave, enviaram a gestante para Maceió e a deixaram na
Santa Mônica, como se fosse indigente.
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Agência Senado (*)
“Braça é uma antiga medida de comprimento equivalente a 2,20
metros linearmente. Apesar de antiga,
atualmente ainda é usada e compreendida por muitos trabalhadores rurais e
outras pessoas envolvidas com o meio rural.
njunto de 3 000 braças se dá o nome de légua”. **(*)
(*) https://pt.wikipedia.org/wiki/Bra%C3%A7a
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