Fotos: Olívia de Càssia e Nathalya B. de Cerqueira.
Por Olívia de Cássia Cerqueira
Por causa do
medo que eu tinha de tomar iniciativas que eu queria e precisava tomar, eu
perdi algumas oportunidades de crescer e me realizar profissionalmente e
pessoalmente, da maneira que sempre sonhei. O medo é uma limitação que nos
aprisiona.
Dizem que
ter medo de reconhecer erros é abdicar de todo potencial que pode ser
descoberto após transcendê-los. Sonhei com muitas viagens, com reconhecimento
profissional, em cobrir conflitos externos e em ser uma pessoa melhor.
Sempre fui
uma sonhadora, idealista e luto por um mundo melhor para todos. No momento de
agora, mais cética diante da atual conjuntura, não deixo de lutar pelos meus
ideais, embora eu tenha mais paciência para determinadas situações. Ninguém é
perfeito.
Agora na
maturidade e fora do mercado de trabalho por conta da aposentadoria, estou em
paz. Não pensei que fosse me acostumar tão logo afastada do trabalho, da
reportagem, que sempre foi o meu sonho. Agora não adianta arrependimentos e
frustrações.
Ninguém quer
ter um problema de saúde grave, para se afastar do trabalho. A ataxia vai nos
limitando, roubando os nossos movimentos, nos tornando mais frágeis. Mas ainda
quero viver muitas situações de prazer pessoal, conhecer outras culturas e
espero que não seja tarde demais.
Que ainda me
seja dada uma oportunidade de melhorar, uma prorrogação, para que eu possa
desfrutar o momento de agora. Talvez a psicologia explique o motivo de eu ter
tanto medo e ter me libertado desse sentimento que vai nos consumindo e
acabando com a autoestima.
Minha saudosa
mãe, no seu cuidado e vigilância dobrada com a minha pessoa, àquela época, me
dava muitos conselhos, à sua maneira e me fazia muito medo de tudo, para que eu
não caísse em tentações da vida, por conta das amizades que eu tinha.
Ela preferia
acreditar no que os outros diziam do que confiar em mim; muitas vezes
entrávamos em conflito, por conta da nossa divergência de ideias; desses medos
dela que depois eu absorvi com o tempo, mesmo sendo rebelde a maior parte do
tempo, o que não me ajudou muito.
Foram
momentos tensos, divergências de pensamentos, ideias e objetivos, deparando-nos
com situações de conflito. Quando meu pai e minha mãe se foram passei a me
questionar a respeito de várias questões interiores e a me perguntar se tinham
me perdoado pelas minhas atitudes.
Agora
compreendo que não foi por falta de amor que eles, principalmente minha mãe,
agiam daquela forma comigo. Era a sua maneira de amar, com rusticidade, que eu
não entendia. Com o tempo a gente vai desvendando os mistérios da alma.
Que todos possam ter essa compreensão da vida a tempo de redimir-se diante de nós, diante da vida.
Por Olívia de Cássia Cerqueira
Quando Sofia nasceu, não teve festa, nem muita alegria. O pai estava trabalhando; a mãe pariu sozinha e quando a parteira chegou ela já tinha vindo ao mundo. A mulher atravessou o rio e veio correndo; cuidou apenas dos procedimentos necessários a uma recém parida e seu bebê.
Sofia foi crescendo livre, rebelde, não pensava em casamento e queria viajar e
conquistar um futuro promissor. Vivia livre, no meio daquela comunidade carente
de políticas sociais e foi entendendo certas nuances da vida. Ela não se
contentava com o chamado destino que os mais velhos falavam. Avaliava que
poderia mudar tudo aquilo, se preciso fosse.
Internet e tecnologias nem sonhavam em existir no Brasil dos anos 60, 70,
quando Sofia nasceu e viveu sua adolescência. Ela gostava de poesia e
personalizou seu quarto com painéis de poesias, colagens tapeçarias e
almofadas, coisas que ela produzia na adolescência para deixar seu quarto de um
jeito adequado ao seu mundo. Era ali que ela gostava de passar horas a fio.
Já na adolescência vieram os primeiros problemas ‘sentimentais’. Sofia era do tipo romântica e se ‘apaixonava’ com facilidade por qualquer garoto, mesmo que nem se importassem com ela. Passou a ter baixa autoestima por isso. Se achava muito feia e desengonçada e foi esse complexo de inferioridade que a levou quase à depressão profunda, já àquela época.
Dona Mércia passou a fazer intervenções fortes e cotidianamente na vida de Sofia. Jogava remédios sem receita que a filha tomava para emagrecer, mesmo sendo magra. Colocava os irmãos e rapazes amigos da família para vigiar a filha rebelde.
Acreditava mais nos mexericos das beatas fofoqueiras do que na filha e assim castigava a menina a cada comentário maldoso que ouvia sobre ela, sem antes nem saber se era verdade. Primeiro batia. Foram várias surras que Sofia levou.
E quanto mais ela apanhava, mais se rebelava contra o sistema, que para ela significava a proibição, o veto à sua liberdade. E Sofia começou a ler e ler mais, até que um dia chegou a vez de fazer vestibular, escolhendo um curso que não era do gosto de sua mãe.
Os pais, naquela época, queriam filhos ‘doutores’ e fazer uma escolha fora da Medicina e dos cursos nobres era uma afronta à família. E mais uma vez Sofia se mostrou firme na sua escolha; queria escrever, ser escritora, poeta, jornalista. Não adiantaram as críticas negativas: foi em frente e seguiu o seu destino.
Olívia de Cássia Cerqueira
Já está no prelo meu terceiro livro Cheiro de Memórias, que tem a Edição e revisão da jornalista e amiga Fátima Almeida.
O livro é uma
compilação de meus textos que foram
publicados na página de Opinião da Tribuna Independente, até 2015, quando saí
de benefício por motivos de saúde e republicados em meu blog, que ano passado completou dez anos na atual plataforma, mas que não teve festa
comemorativa, por conta da pandemia do coronavírus.
Cheiro de Memórias é dedicado a todos aqueles que lutam por
um mundo melhor e por justiça social e por oportuno posso dizer que este não
tem nenhuma pretensão maior.
Posso concordar que em alguns capítulos há uma semelhança com
Mosaicos do Tempo, meu primeiro livro impresso em gráfica, lançado em 3 em
agosto de 2018, no Museu da Imagem e do Som (Misa), em Maceió, e em 23 de
agosto do mesmo ano, em União dos Palmares, por meio de um financiamento
coletivo de campanha, feito por iniciativa dos amigos Odilon Rios e Ana Cláudia
Laurindo.
Percebo que nos meus escritos tenho uma verve mais memorialista, não fossem alguns relatos do cotidiano ou avaliações políticas. Agora, aposentada por invalidez ou incapacidade permanente, tenho meu blog como espaço para os desabafos opinativos e também as redes sociais: Facebook, Instagram e Twitter, agora publicados em forma de livro.
Não pense o leitor que eu tenha alguma pretensão maior com
minhas publicações; estes textos podem ser definidos como um diário de bordo de
uma sexagenária, dando asas à sua imaginação.
Posso dizer que minhas memórias afetivas ficaram lá atrás,
nas brincadeiras da infância, na saudosa Rua da Ponte, no pé da Serra da
Barriga, ou nas aventuras da juventude, na terra natal, a Terra da Liberdade.
Minhas raízes são de lá.
Nasci na Rua da Ponte, de onde veio esse jeito meio
atabalhoado, estranho para algumas pessoas, mas sempre com força de lutar pela
vida. A força de Zumbi e de Dandara está no nosso sangue.
Embora Cheiro de Memórias não verse sobre minhas peripécias
em União dos Palmares, trago-a sempre na
memória e no coração. União é terra que tem histórias para se contar,
personagens interessantes e intensos. De dona Irineia Nunes a nosso poeta
maior, Jorge de Lima, que é estudado e conhecido lá fora, mas pouco se fala
nele, no município, da mesma forma que
Povina Cavalcanti, que dá nome ao terminal rodoviário da cidade.
Da professora e educadora Olympia, à professora Salomé Barros,
entre outros personagens mais populares que permearam a imaginação e as ruas da
cidade e que fizeram a história do local e mereciam destaque. Arrisco-me a
dizer que a cultura palmarina está na UTI e urge que seja resgatada.
Mas esse texto era pra falar do meu terceiro livro e espero que gostem.
Olívia de Cássia Cerqueira
Amanheceu.
Olhei-me no espelho e tive um susto. Quem é essa mulher, tão envelhecida pelo
tempo? Com manchas e rugas na cara, cujo semblante eu desconheci?
Onde
foram parar minha juventude e suposta saúde, me perguntei? Os tombos e as
quedas promovidos pela falta de coordenação, já não me assustam e até são
motivos de piadas: minhas e dos outros.
Em
tempos de pandemia também somos obrigados a nos recolher, a não ver os amigos,
restringir saídas e a fazer reflexões; sejam elas curtas ou não. E isso vai nos
consumindo aos poucos.
O
tempo vai nos modificando e nos deixando várias marcas: no corpo e na alma. E
do ano passado para cá, muitas perdas irreparáveis. E lá se vão mais de 400 mil
mortes no Brasil, muito mais do que numa guerra civil.
Me
inquieto e me revolto com tudo isso, mas preciso resguardar o pouco que ainda
me resta de lucidez e caminhar. Eu diria que o coronavírus vai mudar nossas
vidas de forma permanente. Depois que isso tudo passar, nunca mais seremos os
mesmos.
“Em
muitos países, as escolas estão fechadas. O mesmo vale para teatros, cinemas,
bares e restaurantes. Recomenda-se não viajar, seja por lazer ou por trabalho.
Muitas fronteiras estão fechadas”, diz um texto no site da BBC Brasil, de Johann
Fortwengel, em 27 março 2020.
Ele
afirma que “a maioria das pessoas pode imaginar que todas essas medidas para
combater o vírus são temporárias e que em algum momento — em dois, seis ou
talvez doze meses — a vida voltará ao normal”, mas na avaliação dele, isso não
vai acontecer.
Muitas mudanças podem ser permanentes:
sistemas sociais, a maneira de nos relacionar.
“Às vezes, essa janela de oportunidade é
propositadamente conduzida para mudar o curso das coisas”, escreve,
acrescentando que após o desastre de Fukushima, no Japão, em 2011, a chanceler
alemã, Angela Merkel, decidiu, sem pensar muito, que a Alemanha deixaria de
confiar na energia nuclear.
“Em outros casos, mudanças revolucionárias ocorrem quase por acidente, como foi o caso da queda do Muro de Berlim”, analisa. E fica a reflexão para nós: como será?
Foto: José Marcelo Pereira Olivia de Cássia Cerqueira Nos anos 1960, na Rua Demócrito Gracindo, conhecida como Rua da Ponte, viviam a lav...