segunda-feira, 24 de abril de 2023

Sou uma cerebelopata


Olívia de Cássia Cerqueira

Sou uma cerebelopata. A denominação assusta a quem nunca a ouviu. Sou portadora da Ataxia spinocrebelar, conhecida no meio acadêmico como DMJ, ou Doença de Machado-Joseph, por ter sido os descobridores do problema neurológico.

Segundo a Ciência, as ataxias espinocerebelares (SCAs) constituem um grupo de doenças genéticas neurodegenerativas, em geral de início tardio, com grande variabilidade clínica, caracterizadas pela perda progressiva de coordenação da marcha.

No meu caso o problema é hereditário, mas existem casos adquiridos, em consequencia de algum acidente ou outro problema de saúde.

Já discorri bastante sobre essa anomalia, visto que comecei a pesquisar quando fui falar a respeito em Mosaicos do Tempo e fui diagnosticada como do tipo SCA3, como muita gente da minha família.

Conviver com Ataxia não é fácil, mas tento suavizar minha existência, até agora.

Segundo o site da clínica Diagnose (https://www.grupodiagnose.com.br/exames/genetica/exames/ataxias-espinocerebelares-scas-28#:~:text=As%20ataxias%20espinocerebelares%20(SCAs)%20constituem,progressiva%20de%20coordena%C3%A7%C3%A3o%20da%20marcha), sobre Genética Molecular, “As ataxias estão geralmente associadas à coordenação deficiente dos movimentos da mão, dos movimentos dos olhos e da fala.

A minha fala às vezes complica, ainda mais que fiz um implante dentário inferior total, o que dificulta um pouco.  Ando torta, feito uma pessoa bêbada, em estágio de embriagues total. A fisioterapia tenta corrigir, mas é um paliativo.

“O início de aparecimento dos sintomas pode variar dependendo da alteração genética encontrada, mas geralmente ocorre a partir da terceira década”, no meu caso aos quarenta mais.

“A forma mais comum de SCA na população brasileira é a chamada SCA3, também conhecida como doença de Machado-Joseph (MJD). As SCAs 1, 2, 3 e 6 são as mais frequentes na população mundial”, segundo minhas pesquisas vão até o 10.

“A alteração genética associada a estas formas de ataxia é a expansão de trinucleotídeos CAG nos genes ATXN1 (SCA1), ATXN2 (SCA2), ATXN3 (SCA3) ou CACNA1A (SCA6). Importante salientar a necessidade da consulta genética pré-teste e pós-teste com um Geneticista Clínico”.

Devido ao aumento dos sintomas, fui aconselhada por amigos a me afastar do batente, justo quando eu estava na minha melhor fase no jornalismo. Relutei à época, mas reconheço que foi o melhor a fazer.

Tem dias de quedas, muitos tombos, encontões nos moveis, paredes, vontade de chorar muito, mas o choro quase não vem mais; já chorei muito no passado.

Procuro preencher meu tempo com leituras, palavras cruzadas, novelas (sou noveleira), séries e filmes, mas sinto falta dos passeios às exposições, cinema, livraria e outros quereres, afinal, sou uma “cobaia de Deus”, como diria Cazuza. Sou uma cerebelopata.

domingo, 23 de abril de 2023

Quando vem a imaginação

Olivia de Cássia Cerqueira

 

Acordei no meio da noite com a uma imagem de uma máquina fotográfica, uma caneta simbolizando meus textos, como se fosse a capa do próximo livro.

Uma situação que me incomodava (?) sempre que eu saía com minha máquina fotográfica e alguém me criticava por ter aquela “mania”, costume esquisito para alguns, hoje espetacularizado pela tecnologia.

Uma das minhas grandes paixões, agora comprometida pela falta de equilíbrio, justamente agora. Deitada no chão e fazer piruetas para obter a melhor fotografia e outras manobras, já não posso mais, por conta do avanço da Ataxia.

Em outro texto, bem anterior, escrevi que fotografar para mim era como uma necessidade básica. Sempre gostei muito de fotografia e desde a faculdade eu registrava os movimentos, as mobilizações e outras paisagens.

Muita coisa se perdeu no caminho, mas ainda consegui salvar  algumas fotos daquela época. Da mesma forma que as meninas da turma não gostavam muito de ir ao laboratório, eu ficava lá, horas a fio, com os meninos, para aprender um pouco sobre revelação de fotos.

Eu gostava de sair às ruas, quando Maceió era uma cidade pacata, para fotografar, sem pauta e nem compromissos e também em União dos Palmares. Fotografei passeatas, mobilizações, monumentos históricos, praças, pessoas e coisas.

A fotografia me encanta, é como se a  máquina fotográfica fizesse parte do meu corpo, fosse um apêndice útil e indispensável. Também passei a usá-la para disfarçar um pouco os tombos e meu jeito atrapalhado de ser, embora eu nunca tenha confessado isso; talvez por timidez.

Desde o primeiro comício do Lula em Maceió; greves dos bancários, onde eu trabalhava na sede do sindicato, encontro de mulheres, passeatas e atos do primeiro de maio e protesto das mulheres nas ruas.

Fotografar para mim é mais que um hobby, faz parte da minha vida e embora agora já afastada do trabalho, quero continuar a fazer uso dessa ferramenta para me distrair, embora que a máquina foi um pouco “desprezada”, substituída pelo celular, agora quase que usado para fotografar meus pets.

 Às vezes as pessoas não entendem meu modo de ver as coisas. A luz é a principal mola mestra da fotografia, mas outras nuances também se destacam e dependem do olhar de quem está fotografando.

Tive a honra de fotografar Luiz Inácio Lula da Silva em Alagoas. A primeira foi no primeiro comício que ele fez, na rua em frente à Assembleia Legislativa; na greve dos Bancários em 1991; no Espaço Cultural da Reitoria da Ufal, que ainda funcionava na Praça Sinimbu, onde ele autografou para mim duas fotos que eu tinha feito dele no outro comício.

Fiquei tão nervosa na hora com aquele contato com o maior sindicalista que o Brasil já teve (hoje nosso presidente pela terceira vez), que quase não me contive. Também fotografei Lula em União dos Palmares, na caravana da esperança, na Palmarina (clube da cidade, hoje sede de uma igreja evangélica), para uma palestra com trabalhadores rurais.

Revivendo lembranças, olhando fotografias antigas deu uma saudade de mim, da pessoa que nunca se importou com opiniões alheias.

Observo nas fotografias momentos da vida. As fotos denunciam o tempo, aquele que a gente não pode fazer nada contra, “o senhor da razão”. Contra ele não há quem possa. Ele é o senhor de tudo, da vida de todos nós, como disse um autor.

A gente bem que podia às vezes congelar o tempo, para que não passasse e puséssemos perpetuar o instante, os bons momentos, de alegria, de sorrisos, de eternidade. Tenho saudade, saudade de mim, da menina que fui...

A fotografia é o instante congelado, para que possamos mais tarde, como agora, reviver o tudo. Sentimento. Não importa se a técnica for perfeita.

A foto é congelamento do tempo, o instante da vida, o guardião do nosso passado, da nossa vida, o registro do que vivemos. A fotografia depende do olho de quem a faz e de quem a observa. Pode ser definida como arte ou como documento, se assim for o objetivo.

 

 

 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

O tempo voou e para alguns com mais dureza.

Olívia de Cássia Cerqueira

 

O tempo passou, rápido feito um furacão, levando para o infinito alguns sonhos que não pude realizar. O tempo voou e para alguns com mais dureza.

Talvez, quem sabe, em outra dimensão, se outra chance eu tiver, eu possa conseguir desvendar os mistérios. Acordei pensativa. São muitas as perguntas que me faço, nos momentos de fraqueza.

Por que fui escolhida para carregar essa cruz?, me interrogo por vezes.  Cada um tem a sua para carregar, como dizia meu saudoso irmão. Não é fácil. A velhice nos traz algumas certezas e por conseguinte mais dúvidas e talvez, dizem, sabedoria. Duvido de muitas certezas.

Quando a gente cresce, alguns ideais são desfeitos ou substituídos por outras situações. Eu queria ainda ter tempo. Tempo de realizar muito mais, aproveitado mais, como diz a música dos Titãs.

Mas essas querelas não estão no meu querer. Cada vez que me olho no espelho me assusto com a imagem debilitada que tenho agora. E começo a fazer comparações.

Outro dia fui revisitar os álbuns de fotos. Não bastou ir muito longe e me deu saudade. Cada idade tem a sua época e posso dizer que tento não me impressionar e ser negativa, para continuar a viver.

Já falei em outras ocasiões que tive o privilégio de fazer amizade com várias gerações na minha cidade natal, mas isso também tem muito tempo. Nunca fui CDF, mas não deixava de estudar por conta das brincadeiras e saídas no fim de semana.

Sonhava com outro mundo. Eu sabia que minha seara não era fazer cursos que exigiam tanto de mim. A área de humanas sempre foi meu forte, coisa que minha mãe dizia, não dava dinheiro.

Meu lado era de sonhos, leituras, poesias, amizades, músicas e viagens que nunca fazia e ficava sonhando embalada na vivência dos meus amigos viajantes. Um lado mais suave da vida, que sempre tive afinidade. Os amigos, a maioria se foi. Alguns para a eternidade e outros que ainda tenho a chance de encontrar vez ou outra.

Os valores da gente de hoje já não são mais os mesmos. A gente não percebe as mudanças que acontecem dentro de nós. E quando menos esperamos, acontece uma transformação, sem que tenhamos noção de como tudo se deu.

Mudamos de repente, como se algo tivesse acontecido, uma revolução interior, que muitas vezes não sabemos explicar. Você amadurece com o sofrimento, com experiências e as vivências… Isso é maturidade.

A menina que existia em mim não morreu, mas foi se amoldando ao tempo; aprendeu a conviver com as complicações que vão surgindo. Quando falta a saúde, tudo o mais se descontrola, mas a gente tenta administrar. Dizem os escritores que o tempo é como o vento; ambos são soberanos.

Quando a gente é criança tem mais tempo para viver e para sonhar, para observar o vento, para ver o balanço das folhas, o deslocar das nuvens.

Eu ficava deitada no colo do meu avô observando os carneirinhos que se formavam nas nuvens, à noite, na porta da mercearia do meu pai.

Cada mudança das nuvens era um animalzinho que se formava e mostrava pro meu avô, que sorridente participava de todos os meus sonhos e fantasias de criança.

Tinha mais tempo, tempo pra viver e para sonhar, mas só percebemos que o tempo passou quando olhamos para dentro de nós e não vemos mais aquela criança sonhadora e pura.

O vento foi tomando conta de tudo, levando os restos de esperança daquela menina acanhada e sonhadora que eu era. O tempo mudou o rumo da minha vida, só não sei dizer se foi para melhor.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Dias que seguem ...

 

Olívia de Cássia Cerqueira ...

 

Há 2023 anos a história da humanidade mudou. Um Homem que veio ao mundo com a missão de nos salvar foi terrivelmente maltratado e injustiçado e a história se repete nos dias de hoje.

Eu não entendia e achava muito triste essa história, da mesma forma que ainda acho. E basta trazer o assunto para a atualidade, percebemos o quanto isso é real.

Os rituais se modernizaram, mas se repetem na Semana Santa.

Na União dos Palmares da minha infância, apesar da tristeza do que representava a Paixão de Cristo, tínhamos como “recompensa” a certeza de que não íamos apanhar, caso cometêssemos algum deslize.

Segundo a crença da época, não era dia de bater nem de maltratar ninguém: nem gente nem animal, em respeito ao Cristo morto e crucificado.

Essa regra lá em casa só foi quebrada quando fiquei adolescente e adulta, quando eu já estava de namoro com meu ex-companheiro e minha mãe foi até a Avenida Monsenhor Clóvis à minha procura, com a finalidade de me pegar no flagra e me bater, inconformada com aquele relacionamento. E apanhei muito nesse dia quando cheguei em casa.

Meus pais e meus avós jejuavam na Semana Santa e nos dias normais comiam carne de segunda a quinta-feira, na sexta não podia e voltava a comer no sábado.

Era tradição e ainda hoje muitas pessoas católicas ainda seguem esse ritual. Outras pessoas nem tomavam banho ou lavavam os cabelos. Eu achava falta de higiene.

Na Semana Santa, da quarta até a sexta-feira, os nossos almoços lá em casa eram regados a muita comida no coco, peixe, bacalhau, sururu e outras delícias; de sobremesa e para o café mamãe fazia bolos diversos, pés-de-moleque, cocada e tanta coisa gostosa que a gente se fartava.

Os rituais da Igreja eram sempre seguidos pela minha família e na Sexta-feira da Paixão nós acompanhávamos nossos pais na procissão do Senhor Morto, numa tristeza contrita e profunda, depois íamos à igreja beijar o Cristo.

Quando morávamos na Rua da Ponte, seu Antônio Timóteo passava a manhã inteira reproduzindo na vitrola antiga, em disco de vinil, a via-crucis da Paixão de Cristo, em volume bem alto e quase toda a rua escutava.

Era a história triste do filho de Deus que veio ao mundo para salvar a humanidade. E, na minha ingenuidade de menina, já me revoltava com a maldade do mundo.

Me perguntava como era que aquelas pessoas tinham feito o Cristo sofrer tanto e ele tinha sido tão bom e tão fraterno.

Aquela história era tão triste que sempre me levava às lágrimas e quando fiquei mocinha e fomos morar na Tavares Bastos ia ver a Paixão de Cristo no cinema de seu Armando.

O filme era mudo, em preto-e-branco e as cenas eram apenas fotografias estáticas, com legendas, ou uma narração ao fundo.

Também lembro que tinha o filme ‘Marcelino Pão e Vinho’; que eu me lembre foi o único que o meu pai foi e levou toda a família, eu era muito criança, mas lembro que a história era um enredo religioso.

Na Sexta-feira Santa, era dia de ir pedir a bênção aos nossos padrinhos de batismo; no meu caso, padrinho Durval Vieira e madrinha Nenzinha.

Meu padrinho ia me buscar todo fim de semana para andar de jipe e eu ficava feliz com aquela atitude dele.  Nessa época do ano o ritual se repetia.

Ele mandava represar o açude da sua fazenda Sete Léguas e eu e Luciana (sobrinha de madrinha Nenzinha) nos metíamos naquela água, para observar de perto a pescaria.

Era uma festa para mim tudo aquilo, além das muitas frutas que comíamos no sítio. São pequenas lembranças da Semana Santa de tantos anos passados que me ocorrem sempre nos dias de ocaso. Boa Páscoa!

domingo, 2 de abril de 2023

Era uma vez ...

 

Olívia de Cerqueira

Passei uma parte da noite insone e a lembrança da minha mãe me veio no pensamento. Ultimamente tenho pensado muito nela.

Acho que a velhice e a proximidade da morte têm feito com que eu faça várias reflexões da minha vida.

Meus erros se destacam mais e fico pensando em como era difícil pra ela chegar a um entendimento das minhas atitudes.

Eu não sou e sempre fui uma pessoa difícil. Hoje eu tenho clareza disso. De uma criança que vivia constantemente doente e que era reincidente em suas traquinagens a uma adolescente rebelde.

Na fase jovem e adulta os sintomas se agravaram e à época, hoje tenho clareza disso, eu já era uma pessoa que precisava de ajuda profissional.

Minha mãe era uma mulher forte, destemida e sabia o que queria, embora o que ela queria tinha que se impor. Sempre tive clareza disso, embora não concordasse.

Para proteger e cuidar dos filhos ela era uma leoa, como quase toda mãe e ai daquele ou daquela que atravessasse em seu caminho.

Nessas horas ela não tinha limites e não importava se fosse atingir ou magoar alguém. Para ela não importava, a não ser “livrar” suas crias de qualquer “mal”. Eu Não entendia suas atitudes, na maioria das vezes, mas faz tempo que venho trabalhando essas questões, que vêm invadir meus pensamentos, constantemente.

No mais é desejar que ela já tenha me perdoado, onde quer que esteja, e que esteja sossegada e num lugar de luz e que algum dia eu tenha  a chance de encontrá-la em outra dimensão, se isso for capaz. Bom dia e bom domingo para todos.

Semana Santa

Olívia de Cássia Cerqueira (Republicado do  Blog,  com algumas modificações)   Sexta-feira, 29 de abril, é Dia da Paixão de Cristo. ...